MARIA JULIETA MENDES DIAS
& PAULO MENDES PINTO

Maria de Magdala
a Mulher – a construção
do Culto – o caminho dos Mitos

Prólogo da Parte I

A Maria Madalena que nos chega ao longo dos séculos é muito mais que um eventual retrato, mesmo que pessoal, montado em cima de toda a subjectividade que qualquer “retratista” encerra nas suas obras.

Muito mais forte que o sentido crítico dos autores que nos legaram dados acerca desta mulher, muito mais incisivo que aquilo que eventualmente alguns homens poderão ter tentado manipular no que escreviam sobre a santa, encontra-se o que culturalmente desaguou na sua figura, fruto de algumas especificidades dos trechos dos Evangelhos que passaram a ser tidos para a sua caracterização.

Sim, a imagem de Maria Madalena seria sempre inevitavelmente marcada por um conjunto de estereótipos a nível de pensamento religioso, a nível de estruturas de mentalidade comuns a si, aos seus contemporâneos, e aos que viveram o cristianismo nos primeiros séculos da nossa era.

Todas as figuras, mesmo nos nossos dias, são marcadas pela grelha moral, ética, pelos “pré-conceitos” com que encaramos o mundo, as pessoas. Tudo o que de imagem construímos de uma qualquer figura é, inevitavelmente, moldado pela herança cultural, religiosa e ideológica que fazemos confluir nessa caracterização.

Acreditemos que os textos que a descrevem são sagrados, inspirados, ou que são simplesmente literários, a verdade é que, em qualquer destas afastadas variantes, linguística e culturalmente, o texto foi sempre realizado num tempo e para ser lido por uns homens: na época pouco posterior à da vida de Jesus e no espaço do Império Romano. Seja de Deus ou dos homens a responsabilidade pela redacção, a verdade é que esses textos foram escritos mediante os códigos culturais e as ferramentas linguísticas de uma época, porque para ela era suposto serem lidos.

Por coincidência, ou não, Maria Madalena e algumas outras mulheres tratadas nos Evangelhos, reuniam em si algumas características ambíguas que nunca as deixariam passar imunes aos mais fortes sentimentos da generalidade dos seus contemporâneos e conterrâneos.

Seja o texto inspirado, ou não, tenha mão divina, ou não, as imagens, a poética e os conceitos revelam a época em que foi redigido e para quem foi escrito (uma população numa época). Que cultura religiosa tinham as populações onde a figura foi apresentada, e de que forma a olharam mediante essas suas bases culturais e religiosas?

Nesta primeira parte vamos ver dois grupos de heranças que desaguam na forma como se encarou Maria Madalena. Trata-se de estruturas religiosas, de pensamento, transversais a toda a região e religião em que Jesus e Maria Madalena se enquadravam: o mundo das religiões da Bíblia que desaguou no judaísmo e no Mundo helenista do século I.

Estas estruturas que caíram sobre Madalena podem dividir-se em dois grupos opostos: os que concorrem para uma aproximação à santa, e os que tendem a criar uma repulsa.

Veremos ao longo do livro que os elementos conducentes a uma lógica, de primária e imediata repulsa foram, no fundo, a sua mais-valia a nível de religiosidade, de humanidade.

O mais interessante no longo percurso da vida deste culto, encontra-se na própria ambiguidade das fontes; isto é, são os próprios dados literários contidos no Novo Testamento que, tanto possibilitam uma aproximação como uma recusa à imagem de Madalena. O que afasta aproxima, e o que aproxima afasta.