www.triplov.com
ERNESTO DE SOUSA

 

 

 

 

 

Todos os caminhos vão dar a um estado zero. Por enquanto...

Sentido irreversível de uma transformação, corte dialéctico arrastando violências e incompreensões, negando as reformas lentas e paulatinas: mutação do estético em ético: definição da liberdade futura - utópica, como alcance de todas as acções no presente. Identificação da arte com a Vida. Fronteira e porta em vez de moldura.

Ernesto de Sousa, no catálogo da "Alternativa Zero"

ALTERNATIVA ZERO

Ernesto de Sousa é uma figura polémica na cultura portuguesa, sem cuja referência a História da Cultura portuguesa ficaria profundamente mutilada. Ele não foi só um artista de vanguarda, um jornalista, um historiador da arte (clássica, moderna, popular e ingénua), um professor de arte, um fotógrafo, um poeta, um realizador de cinema e vídeo, um performer e o mais que agora me escape, ele foi também um alquimista, isto é, um mestre. Aluno de Química na Politécnica, partiria para aventuras muito mais arrojadas, e nisso investiu toda a sua vida, como um alquimista: viajando por esse mundo, sem ordenados certos ao fim do mês, sem empregos constantes, sem glórias, sem riquezas nem vaidades. Entre muitas outras, praticou a arte pobre, arte dos que valorizam qualquer suporte, pois não é na nobreza do suporte que está a arte, sim na nobreza de alma do artista - usou fotocópias, o manuscrito, a que ele chamava graffiti, usou terra e esperma como tintas, num envolvimento corporal com a obra, que é tanto da ordem da body art como da alquimia enquanto produtora de arte sacra. "Toda a arte é sacra", disse, e também dizia: "Sou ateu, graças a Deus!". 

Natural e artificial não tinham para ele qualquer valor como conceitos operativos, tanto trabalhou com o corpo como com as máquinas, tanto fotografou pessoas em pose como sem ela. A palavra "estética" era para ele algo do domínio dos cabeleireiros e das manucures, não distinguia "esteta" de "esteticista". Em vez disso falava de ética. A arte não era o objecto religiosamente guardado nos museus, embora também o pudesse ser, a arte era a Vida, com maiúscula. E como arte é a Vida, pouco importa que dada fotografia se use mesmo sendo má, mesmo estando desfocada. Ele usou e promoveu a arte da fotografia, sendo-lhe indiferente a qualidade técnica, porque arte não é o belo nem o tecnicamente perfeitinho, arte é ética e é Vida.

Maria Estela Guedes

Imagens da Alternativa Zero. In "Itinerários"

Obras de referência:

Ernesto de Sousa: Itinerários. Ed. da Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa, 1987, 194 pp. il..

Ernesto de Sousa: Revolution my Body. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa, 1998, 354 pp. il..

Ernesto de Sousa: Ser Moderno... em Portugal. Ed. Assírio & Alvim, Lisboa, 1998, 310 pp. il..