OBJECTOS SEXUAIS MASCULINOS




Pergunto a mim mesma se acabou aquilo a que se chamava a exploração sexual da mulher, com os concursos de misses e a publicidade em que não havia nada que se não vendesse sem o apelo de uma jovem mais ou menos despida - frigoríficos, dentífricos, automóveis, etc..

A publicidade mudou muito nos últimos anos, não só porque a presença dos objectos sexuais femininos - leia-se: mulheres tratadas como objectos sexuais - se rarefez, mas sobretudo porque outros elementos tomaram o seu lugar, alguns absolutamente imprevisíveis, como membros do clero e condenados à cadeira eléctrica.

A intrusão do símbolo da respeitabilidade e espiritualidade no mundo dos cifrões pode ser criticável e até abusiva, mas de facto marcou uma viragem na estética publicitária, e teve o mérito de trazer para a rua problemas sociais e humanos candentes, como a necessidade de acabar com o racismo e de popularizar o uso dos preservativos. Já os assassinos se situam no extremo oposto, mas também eles contribuiram para esclarecimento geral: se em Portugal e noutras democracias isso já não existe, há países onde ainda vigora a pena de morte.

Ultimamente, noto que os objectos sexuais masculinos - leia-se: o masculino como objecto de apetite sexual - dominam os femininos. Onde antes estava a rapariga ou a mulher, agora está ele. Custa-me porém dizer que ele é o homem, porque não é bem. O paralelismo não é total. Homens sempre existiram na publicidade, anunciando cigarros ou máquinas de barbear e lembro-me até de uma frase que bem definia esse carácter de adulto - "homem de barba rija". Não apareciam nus, com gotas de álcool ou perfume a escorrerem-lhes pelo corpo, à maneira dos sulcos deixados na areia pelos movimentos ondulatórios das serpentes. Não apareciam diante dos nossos olhos como objectos sexuais, mas apareciam, sem equívocos, sem ambiguidades andróginas, como eles, os homens. Porém agora tudo mudou para um grande engano, e é por isso, por me sentir lançada no equívoco, que escrevo sobre uma matéria que para mim não é carne nem peixe. Não é que a barba rija seja fundamental, fundamental seria identificar as coisas de maneira a não ficar a olhar para as parras como se fossem uvas, nem para os pães como se fossem comestíveis. Aqueles pães até têm crosta e miolo, vê-se logo que servem para ser comidos, mas não é por mim, não é pelas mulheres que vão ao supermercado comprar queijo. E aqui reside o nó do problema: eles passaram a ser objectos sexuais como as mulheres, mas o sujeito do desejo, quem saliva a olhar para os pães, continua a ser o homem.

Reclamo para a mulher o direito a salivar também? - Bom, com direito ou sem ele, elas também não são de pau. Não quero reclamar nada, digo apenas que social e visivelmente, na publicidade, por exemplo, a mulher, enquanto sujeito de desejo, não representa nenhum papel, e neste caso do "pão com queijo" ela nem sequer tem nada com que devanear, pelo contrário: a identificar-se com alguma coisa no anúncio, seria com a oculta mãe que os deu à luz e lhes limpou o rabo com a toalha.

Sim, situação incómoda, esta, em que uma mulher nem sequer pode dizer o que mais lhe apetece...

Quero lá saber da história da raposa e das uvas! Pensem o que lhes apetecer, sempre fui assim, pão-pão, queijo-queijo: basta saber que os pães são para eles para vos garantir que prefiro o queijo. Quanto mais não seja, preferindo o queijo, sou livre e estou em casa. Quem come esses pães arrisca-se às grades ou já está na cadeia.

Portugal, 23 de Fevereiro de 2003