MEDITANDO SOBRE O PARAÍSO
Por HELENA LANGROUVA
Doutorada pela Universidade Nova de Lisboa


Do espaço sagrado ao paraíso reencontrado
e ao jardim simbólico do paraíso

Ir a Delfos, na Grécia, é revisitar espaços sagrados, procurar em vão a pedra do centro da terra – omphalos-, constatar o fim da profetisa Pítia sobre os destinos maiores da vida e da civilização grega, a complexa relação entre o espírito luminoso e harmonioso de Apolo e a irracionalidade dos transes de Pítia, o fim do que Dodds desenvolveu num estudo ímpar a que deu o título The Greeks and the Irrational.

O que mais nos interpela em Delfos é a presença de um amplo espaço sagrado , como se todas as montanhas que circundam as ruínas do templo de Apolo, todos os espaços e ruínas constituíssem um templo, a incorporar no silêncio do nosso olhar e da nossa escuta. Templo - temenos – significa, na língua grega, espaço sagrado. Toda a procura maior do ser humano se inscreve na procura de um espaço sagrado, de um topos que o faça encontrar ou reencontrar uma qualquer via de ligação ou religação com a presença do divino, a um tempo imanente e transcendente, um espaço que o ajude a aprofundar a sua condição de peregrino- que atravessa vários campos e espaços –per-egrinus de per- através de- e ager, campo, procurando um sentido para a vida e os enigmas do destino. Para os gregos, o destino tinha a ver com a parte que nos cabe em sorte – moira, aissa-, sem esquecer o pólo da maior liberdade – eletheuria- , em particular da liberdade de pensar. Para os latinos, o destino é obra que se constrói com mão humana. Segundo Varrão, o homem é o construtor do seu próprio destino– homo fortunae suaefaber.

Desde as civilizações mais remotas ao cristianismo, aos nossos dias, há sempre esta procura de um espaço que propicie reconhecimento, encontro, reencontro, purificação e libertação para o homem. É preciso atravessar espaços e deixar-se transcender, não se envolver exclusivamente com o quotidiano, mas procurar um sentido para a vida.

Nesta procura se insere a contemplação, o acto de contemplar que, na sua expressão latina significa “estar com o templo”- con-templari- no sentido de olhar e ter presença de contacto ou de procura de união com um espaço sagrado. Em grego o termo theoria – a contemplação- tem a ver com o acto de olhar- do verbo theao, ver, que também está relacionado com o que se vê em cena –theatron, o teatro-. Aristóteles considera a theoria ou contemplação como uma actividade que a um tempo não se deve afastar da vida prática e é também aquela que está mais próxima do divino (Ética a Nicómaco, X), a cúpula da procura de felicidade – eudaimonia- que, na sua origem, significa estar bem com os deuses- eu-daimon-ia. Segundo Dominic Scott, comentando o cap. X da Ética a Nicómaco de Aristóteles, o paradigma felicidade – eudaimonia – consiste na contemplação –theoria- .

Não é nosso objectivo meditar sobre a contemplação segundo Aristóteles ou mesmo Platão. Convém não esquecer que Marsílio Ficino- o filósofo neo-platónico do século XV que mais influenciou o pensamento do Renascimento- procurou defender que a contemplação, a acção e o prazer não deveriam nunca separar-se, retomando a ideia de que a contemplação é uma actividade que gera a felicidade.

Deve-se a Marsílio Ficino a primeira tradução, publicada em 1471, de escritos atribuídos ao sábio egípcio Hermes Trismegisto ( sec I AC e DC) e redescobertos no Renascimento. A descoberta e tradução do chamado Corpus Hermeticum abriu rumos definitivos para estudos onde se entrecruzam a filosofia neoplatónica, a teologia mística, a gnose e a alquimia, entre as vertentes maiores.

 

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Última Actualização:
09-Aug-2006