A “FLORA PORTUGUESA” DE GONÇALO SAMPAIO,
CASO EXEMPLAR DE SUBVERSÃO
Maria Estela Guedes

INDEX

1. Epígrafe
2
. Introdução ao problema
3. A epígrafe de Pires de Lima
4. Tipos de subversão e instituições subvertidas
5. Conclusões
6. Bibliografia

ANEXOS
(apenas para versão online)

IMAGENS DA "FLORA PORTUGUESA"
Frontispício da 2ª edição
Página 263
Primeira página do índice "Nomes populares das plantas"
Primeira página do "Índice dos nomes latinos"
Primeira página da errata

5. Conclusões

Aos que acreditam que os erros dos cientistas são fruto de ignorância, ou não passam de inocentes gralhas de tipografia, Gonçalo Sampaio, Américo Pires de Lima, o Instituto Nacional de Investigação Científica, e restantes membros da comunidade da ciência declaram que não: os erros são deliberados. Américo Pires de Lima justifica-os com a necessidade de ensinar os estudantes a pronunciar bem o latim.

Bedriaga, na segunda sessão do Congresso Internacional de Zoologia, em Moscovo, foi mais longe, ao justificar os erros de geografia com a necessidade de proteger as espécies seleccionadas pelos naturalistas, e ao confessar que tinha introduzido uma espécie em Nice. Mais declarou ainda, que, no ramo dele, a Herpetologia, a introdução de espécies se praticava em bastante larga escala.

Fora do campo das Ciências Naturais, foi muito enriquecedor aprender com Teófilo Braga, na sua peça de teatro sobre S. Frei Gil, que, nos tempos do ensino escolástico, uma vez que a lei era ditada pelo magister dixit, lei repressiva, a funcionar como censura, a única forma disponível para exercitar o espírito crítico era o cultivo do erro. Os escolares cometiam silabadas no latim, o que gerava risota e discussão, do mesmo modo que, no teatro grego, os actores que pronunciavam mal eram alvejados com tomates pelo auditório. A esse erro voluntário, dava-se o nome de Titivetilarius. Na peça de Teófilo Braga, Titivetilarius é um duplo de Mefistófeles. Donde, parecendo que tenho estado ocupada com um assunto menor de ortografia, realmente demonstrei-lhe, Frei José Augusto, e distinto auditório da ASMAV, que o Demónio está mais próximo de nós do que julgamos.

Encerro com esta evidência, que não será visível para todos, pois não acreditais nos vossos olhos nem nos vossos ouvidos. Contra a vossa fé nada posso, dou-me por vencida por ela. Não quereis acreditar que a ciência tem pacto com o Demónio, por isso ficai com essa religião própria do Jardim do Éden, antes de Adão e Eva terem perdido a inocência.

Numa próxima oportunidade, mostrarei que o código do latim macarrónico é muito simples, fundamenta-se no duplo sentido dos “tipos” e “caracteres”, vocábulos correntes na linguística, na tipografia, na hereditariedade e na sistemática. Sabendo isso, o biólogo entende que a norma do erro ortográfico é qualquer coisa como uma tabela de variações de caracteres, dominantes ou recessivos, em descendências de espécies cruzadas. As palavras mais do que esdrúxulas, ou com dois acentos, são os normais desvios à norma que ocorrem nessa prole muito rica, geneticamente, dotada de alta variabilidade, em resultado da miscigenação de dois tipos morfológicos: albinismo, melanismo, nanismo, gigantismo, dedos e cornos supranumerários ou faltosos, etc.. Porém, não me compete a mim falar destes assuntos, não sei nada das leis de Mendel, não sei nada de Hereditariedade, nem de Genética. Falar de uma língua híbrida como o latim macarrónico está dentro do meu raio de acção, como pessoa das Letras. A Hereditariedade é com os biólogos. Retenha-se apenas que o código, para os cientistas, é transparente: ele elimina a substância do signo para deixar ver apenas o referente. Os indivíduos que têm a chave do código, ao lerem a “Flora Portuguesa”, não estacam, perplexos, diante dos acentos, nem das palavras impronunciáveis: para eles, Lythrum bíbracteatum não é um nome, é um resultado anómalo do cruzamento de dois tipos diferentes de vegetais.

O código existe para proteger os animais e as plantas. Se espécies naturais ou naturalizadas estão em perigo, muito mais perigo correm indivíduos isolados, fruto de experimentação científica. Para se constituirem como espécie, é preciso que se reproduzam, aumentando os efectivos populacionais. Forma de os proteger é não declarar o seu habitat – e aí aparece o erro de geografia - , ou gralhar ferozmente a nomenclatura, para que os naturalistas detentores do código saibam que animais e plantas são aqueles, e por isso não os coleccionem nem os descrevam como espécies novas, antes de apurados e fixados os caracteres, e constituída a população.

Por isso, Zé Augusto, os erros não só não se corrigem, como se perpetuam em edições facsimiladas – o código tem de ser preservado porque a informação que transmite é importante.

Zé Augusto, aqui, em Britiande, agora que o calor chegou, e as cobras e os sardões começam a sair das tocas, um dos assuntos da conversa popular é saber quantos já matou cada pessoa. Riem-se de nós se intercedemos pelos pobres animais, dizendo que são benéficos ou inofensivos. O homem destrói tudo aquilo que rasteja, tudo o que o desafia e ele não conhece nem controla. Sardões, aqui na terra, são bichos que trepam pelas pernas acima das mulheres. Serpentes são a encarnação do Demónio.

Despeço-me com um escolástico “Vale”, mais um subversivo triplo e fraternal abraço.

A sua amiga

Estela

Britiande, Primavera de 2006
 

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Última Actualização:
18-Jun-2006







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