Procurar textos
 
 

 

 

 

 






JOSÉ CASQUILHO
A história de um símbolo -
O Espelho de Portugal (fim)

Dir-se-ia que os duques de Bragança recuperaram um símbolo dos duques de Borgonha, depois ostentado por várias casa reais. D. Pedro III, irmão de D. José, utiliza uma pregadeira central, com um grande diamante rectangular polido, de coloração água-marinha, neste retrato do último quartel do século XVIII. Este diamante virá a ser chamado, mais tarde, em França, (outro) Espelho de Portugal.

 

(D. Pedro III (porm.), Museu Nacional dos Coches, Lisboa)

Com efeito, sabe-se que na venda das jóias da coroa de França realizada em 1887 houve um lote comprado pela Tiffany onde se referia um diamante – a pedra central

dum cinturão – como sendo o Espelho de Portugal: um diamante de coloração água-marinha com cerca de 25 quilates, talhado em oval; ora, este diamante não pode ser aquele que foi vendido em 1795, até porque esse só tinha cerca de 21 quilates, talhado em brilhante rectangular, e diz-se que era de uma água branca puríssima. O novo Espelho de Portugal está representado no centro da roseta da fotografia.

 

 

 

 

(Catálogo das Jóias da Coroa de França, - peças do grande cinturão, fotografia Berthaud)

Embora à primeira vista não seja fácil reconhecê-lo há que dizer que era usual retalhar um diamante famoso quando ele mudava de mãos, quer para obstar ao reconhecimento, quer para imprimir a marca do novo dono. A referida coloração de água-marinha é um elemento singular deste diamante e o estudo quantitativo das dimensões mostra que este diamante oval encaixa no diamante de D. Pedro III, que fica assim reduzido para cerca de metade.

Sabe-se que por volta de 1801, na sequência da derrota na Guerra das Laranjas, foi contraído um grande empréstimo pela coroa portuguesa de 12 milhões de florins, onde foram dados como garantia diamantes, junto das firmas Hope da Holanda e Bahring de Londres. Seguidamente ao Tratado de Badajoz, assinado com a Espanha, também se assinou o Tratado de Madrid com a França, onde, contra a promessa de paz no futuro por parte de França e a título de indemnização pala campanha do Rossilhão, entre outras coisas Portugal obrigava-se a pagar vinte milhões de libras, parte em dinheiro, parte em diamantes e parte em valores comerciais. O tratado de Madrid foi assinado em 29 de Setembro e ratificado por Portugal em 28 de Outubro de 1801.

O diamante de coloração água-marinha de cerca de 25 quilates foi oficialmente adquirido por Napoleão em 1810 e veio a ocupar um lugar cimeiro de representação da França: no diadema da imperatriz Maria Luísa ocupa a posição central - uma pedra de reflexo amarelado.

 

 

 

(Imperatriz Maria Luísa (porm.), por R. Lefèvre, colecção Chaumet, Paris)

Ainda vai participar na coroa de Carlos X - a pedra intermédia do arco frontal que forma a pétala superior da flor-de-lis (o diamante que encima a coroa é o Regente de França).

 

 

 

Coroa de Carlos X, reconstituição publicada por Germain Bapst em 1889)

A última pista que temos deste diamante é o chamado Colar de Avelã que a Tiffany apresentou como a jóia mais cara na exposição de Paris em 1889 – o diamante que está no pendente, referenciado como de 25 quilates, talhado em oval, poderá ser, porventura, o diamante de D. Pedro III.

 

 

 

(O Colar de Avelã da Tiffany, fotografia da Exposição de Paris de 1889)

Importa agora tentar sintetizar esta história. O símbolo designado por Espelho de Portugal foi assim nomeado em Inglaterra, no início do século XVII, e continha o diamante de Portugal, que se sabe pertencera a D. Manuel I. Poderá ter tido origem na fivela de Carlos o Temerário; seria em qualquer caso um diamante proveniente da Índia, cabochão ou almofada rectangular, com mais de trinta quilates. Em Inglaterra adquire o talhe de mesa e fica a pesar cerca de 27 quilates integrado na jóia que lhe deu o nome. Mais tarde, em França, o diamante é o terceiro Mazarino, depois um dos principais diamantes da coroa, retalhado para brilhante, com peso de cerca de 21 quilates. Desse diamante perde-se o traço em 1795. Do último diamante chamado Espelho de Portugal consegue-se seguir o rastro até à posse pela Tiffany, no final do século XIX.

Os reis da dinastia de Bragança, desde D. João V a D. Pedro III, retomaram a tradição de uma fivela ou pregadeira semelhante à de Carlos o Temerário, com um grande diamante rectangular central, rodeado de pedras mais pequenas – trata-se de um atributo simbólico usado pelos duques de Bragança no tempo da outorga do título de Majestade Fidelíssima aos reis de Portugal.

A jóia designada de Espelho de Portugal morre simbolicamente na ressaca da Revolução Francesa, quer porque era um índice do feudalismo, quer porque o diamante original é vendido pelo Directório, quer ainda porque o diamante água-marinha de D. Pedro III deixa Portugal no princípio do século XIX.

De facto, no mesmo ano da Revolução Francesa (1789), D. Maria I refez os símbolos de representação dos reis de Portugal, integrando a cruz de Cristo na ínsígnia das três ordens, onde juntou as cruzes de Aviz e Santiago, sob a égide do Sagrado Coração de Jesus.

 
  • Balfour, Ian – Christie. Famous Diamonds. Manson & Woods Ltd, London , 2000.
  • Bari, Hubert e Sautter, Violaine. Diamants. Societé Adam Biro, Paris, 2001.
  • Copeland, Lawrence L. Diamonds... Famous, Notable and Unique. Gemological Institute of America , 1974.
  • Guedes, Rui. Joalharia Portuguesa - Portuguese Jewellery (textos: N. Vassallo e Silva). Bertrand Editora, Lisboa, 1995.
  • Kendall, Leo P. Diamonds: Famous and Fatal. Barricade Books Inc, Fort Lee , 2001.
  • Morel, Bernard. The French Crown Jewels. Fonds Mercator, Antwerp , 1988.
  • Serrão, J. Veríssimo. O reinado de D. António Prior do Crato, vol. 1:1580-1582 (dissertação de doutoramento). Coimbra, 1956.
  • Sousa, G. de Vasconcelos. A Joalharia em Portugal (1750-1825). Editora Civilização, Porto, 1999.