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JOSÉ CASQUILHO
A história de um símbolo -
O Espelho de Portugal (1)
À memória de Mário Casquilho
 

O Espelho de Portugal é a designação de uma jóia - pregadeira ou fivela - que ganhou o nome em Inglaterra no tempo dos Stuart, assim referida em crónicas e inventários da época. Por exemplo, sabe-se que o então príncipe de Gales, que depois viria a ser Carlos I, o transportou numa jornada, em 1623. Em Inglaterra havia várias jóias chamadas espelhos: o Espelho da Grã-Bretanha e o Espelho de Nápoles são conhecidos.

O Espelho de Portugal era um adorno que tem um grande diamante central, talhado em mesa rectangular, chamado o diamante de Portugal. Essa jóia é transportada ao peito pela raínha Henriqueta Maria, mulher de Carlos I, neste retrato.

 

 

 

(Henriqueta Maria, por A. van Dyck, Hermitage Museum, S. Petersburgo)


Embora a pregadeira esteja de perfil, foi proposta no final do século XIX, esta reconstituição frontal da jóia:

 

(Espelho de Portugal, reconstituição publicada por Germain Bapst em 1889)

Sabe-se que o diamante de Portugal – provavelmente um cabochão rectangular de mais de 30 quilates - foi apropriado por Isabel I de Inglaterra a D. António, prior do Crato, em 1582. D. António, no exílio, entregou o diamante como garantia junto da rainha de Inglaterra, que proporcionou uma armada. Isabel I usou este pretexto para se apoderar do diamante.

O diamante era pertença de Portugal desde D. Manuel, o Venturoso. Talvez tenha provindo dos despojos de Carlos o Temerário, duque de Borgonha, morto em 1477 na batalha de Nancy, de quem se sabe que D. Manuel obteve outro diamante famoso. No retrato do duque observa-se que a fivela do ombro direito contém um grande diamante rectangular.

 

(Carlos o Temerário, duque de Borgonha (porm.) – Metropolitan Museum of Art, N.Y.)

Deverá ter sido, depois, o diamante que D. Joana de Aústria, princesa de Portugal, mãe de D. Sebastião, traz no toucado, num retrato datado de 1552.

 

 

(Joana de Habsburgo (porm.), por Cristovão de Morais, Hampton Court Palace)

 

Certo é que o Espelho de Portugal foi uma jóia criada na coroa inglesa no início do século XVII, que incluía como pedra central o diamante de Portugal. Às tantas o diamante começou a ser designado com o nome da jóia; as pedras não eram fixas, transitavam ocasionalmente de jóia em jóia. É assim que o diamante também figura na coroa de Henriqueta Maria, no aro basal.

 

 

(Coroa de Henriqueta Maria, esboço de Thomas Cletcher, Boymans van Beuningem Museum, Rotterdam)

Em 1644 Henriqueta Maria desloca-se para a Holanda e França onde vende parte das jóias da coroa para financiar tropas e armas para Carlos I, seu marido. É desta maneira que o Espelho de Portugal entra em França e é adquirido por Mazarino em 1657, primeiro-ministro de Luís XIV. Mazarino morre em 1661 e lega a sua colecção de diamantes à coroa francesa. A rainha Maria Teresa de Áustria, consorte de Luís XIV, usa-o no topo do toucado neste retrato.

(Maria Teresa de Áustria (porm.),
por Pierre Mignard, Museo del Prado, Madrid)

O Espelho de Portugal, como pregadeira ou fivela, vai permanecer nas jóias da coroa de França até ao final do século XVIII. O jovem Luís XV transporta-o neste retrato.

(Luís XV (porm.), por Hiacynthe Rigaud, Château de Versailles)

Em 1795 o Espelho de Portugal é vendido na Turquia, juntamente com outras peças, para obter financiamentos. Não conhecemos o destino posterior deste diamante.

Mas entretanto, em Portugal, retomada a independência em 1640, tornando-se reinante a casa dos duques de Bragança, vemos que na 1ª metade do século XVIII, D. João V, o Magnânimo, ostenta uma fivela semelhante à de Carlos o Temerário, a prender a capa.

 

 

 

 

(D. João V (porm.), atrib. a Carlos António Leone, Museu dos Coches, Lisboa)

 

Esta representação sucede também no seu filho, D. José.

 

(D. José I (porm.), por Miguel António do Amaral, Paço Ducal de Vila Viçosa)