ENTREVISTA A CRISTOVAM BUARQUE
Por Maria Alzira Brum Lemos

MABL - Logo no título do seu livro há um neologismo, "instrangeiros". O que o Sr. quer dizer com esta palavra?

CB - Instrangeiro é uma palavra que indica os estrangeiros dentro do próprio país. Tanto aqueles que vivem à margem da sociedade, os excluídos, quanto alguns ricos que se sentem estrangeiros porque a globalização já os transformou em estrangeiros dentro do próprio país, porque pensam, agem, consomem como se vivessem em outro mundo, o primeiro mundo internacional dos ricos.

MABL - O Sr. afima que, na fronteira dos séculos, a opinião é uma aventura. Por quê?

CB - Opinar sempre foi arriscado e motivo de prisões, mortes, etc...Mas, hoje em dia o risco é diferente porque não se arrisca apenas perseguições, mas cair no ridículo. Diante da perplexidade geral do mundo, da perda de paradigmas, as idéias ficaram ridículas por serem muito parecidas ao pensamento único, sem criatividade, ou porque a criatividade foge tanto do padrão oficial, que também põe o autor na marginalidade.

MABL - Os meios de comunicação falam o tempo todo da globalização e das supostas vantagens que este modelo traria para a economia. O Brasil mudou com a globalização? Para melhor ou para pior?

CB - O Brasil mudou, como qualquer outro país. Basta ver a maneira como estou respondendo suas perguntas, pela internet, os produtos que usamos ao redor, as coisas que pensamos, a integração mundial. Para melhor em alguns aspectos. Mas para pior no que se refere a desigualdade entre os brasileiros que aumentou ao ponto de começarmos a ser mais do que desiguais, diferentes, e podermos piorar ainda mais, criando uma sociedade com desigualdades biológicas, com uma desssemelhança entre os seres humanos.

MABL - Neste livro o Sr. aponta para os muitos problemas que impedem o desenvolvimento do Brasil: fome, falta de educação e de saúde, violência. A quem devemos considerar responsáveis por esta situação? Por quê?

Todos aqueles que somos beneficiados pelo processo de orientação do projeto de desenvolvimento para o aumento da riqueza e da renda, desprezando a redução da pobreza pelo acesso aos bens e serviços essenciais. Todos aqueles que nos beneficiamos de um viaduto construído com o cimento que poderia ter sido usado para fazer uma escola, um hospital, o sistema de água e esgoto. Todos que votamos. Mas sobretudo todos que formulamos idéias prisioneiras do desenvolvimento econômico sem subordinação aos valores éticos.

MABL - O Sr. diz, em "Os Instrangeiros", que "a pobreza no Brasil é um problema também para os ricos". Por que as elites econômicas devem participar da luta para acabar com a miséria?

CB - Chegamos a um ponto em que os ricos gastamos mais dinheiro para nos proteger contra a desigualdade, devido a violência, ineficiencia, vergonha, que seria mais barato e eficiente para todos um intenso programa de incentivos sociais que permitissem, em 10 anos, superar o quadro de pobreza de mais da metade da população brasileira.

MABL - Muita gente acha que "o Brasil não tem jeito" e que a única solução é cuidar cada um da sua vida e deixar de lado o coletivo. Em sua opinião, o Brasil tem jeito? Quais as soluções possíveis?

CB - O Brasil tem jeito em tudo que se propõe, especialmente na realização de uma segunda abolição: das necessidades essenciais para todos. Mas a resposta para este aspecto não está no crescimento econômico ( necessário para aumentar a riqueza ) a proposta, e está em um dos artigos, é usar os incentivos sociais.

MABL - Muitos jovens no Brasil se dizem decepcionados com a política. Alguns até declaram que "não gostam de política". Qual o papel da juventude no planejamento e na ação destas soluções?

CB - Os jovens perderam o interesse na política, que a minha geração tinha, porque os adultos deixaram de apresentar utopia, místicas, que os empolgassem, e, em vez disto, passaram a imagem de corrupção, corporativismo, interesse próprio. Fico orgulhoso de uma juventude que tem raiva desta política ruim; cabe a nós mostrar aos jovens que é possível uma política comprometida com os interesses sociais, com a ética.

MABL - Há quem tenha vontade de colaborar em projetos que visem à melhoria das condições de vida da população brasileira. Como participar? Qual o primeiro passo?

CB - Há dois passos. Os partidos políticos e a militância política para aqueles que desejarem isso. E as muitas organizações não governamentais para aqueles que desconfiam hoje da ação do Estado e querem dar suas próprias contribuições. Há também a possibilidade desses dois caminhos, combinados.

MABL - O Sr. tem sido citado como possível candidato a vice-presidente na chapa de Luís Inácio Lula da Silva. Aceitaria ser candidato a vice-presidente? Neste caso, qual seria sua atuação?

CB - O vice-presidente do Lula deverá ser o senador José de Alencar, ou algum militante petista de Minas, ou uma pessoa com a firmeza, competência e doçura da senadora Marina Silva.