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BOLETIM DO NCH
Nº 14, 2005

Açores e Madeira vistos por Marcelo Caetano em 1938
CARLOS ENES

Sumário

Summary

Introdução

Visão de Marcelo Caetano

Bibliografia

Documento 1

Documento 2

DOCUMENTO 1
CARTA DE MARCELLO CAETANO AO MINISTRO DO INTERIOR
 

A bordo do Carvalho Araújo, 4-VIII-38

Ex.mo Snr. Dr. Mário Pais de Sousa
da minha maior consideração:

Findei a minha volta pelos Açores e vou agora a caminho da Madeira onde devo chegar amanhã. Comuniquei a Vª Exª as minhas primeiras impressões sobre Ponta Delgada e Angra: vou agora resumir as que me ficaram da Horta, onde fui inexcedívelmente bem recebido.

A Horta é uma cidade muito pequena, cuja vida se resume a uma só rua (a marginal). Tem pouco comércio, quási nenhuma indústria, e vive da navegação (que é muito rara) e dos cabos submarinos estrangeiros. Às 3 da tarde o trabalho cessa; ás 4 janta-se; às 4 ½ está no café. A avenida marginal é o centro do trabalho e o lugar de descanso, e como todos se vêem constantemente, a todas as horas, os ócios são longos e estéreis (pois se convencionou que é impossível reagir contra a mornaça ou torpor açoreano), Vª Exª está a ver o ambiente de maledicencia, intriga e ódio que se respira. Todavia é preciso não exagerar estas tricas de terra pequena: as rivalidades dos grupelhos políticos que se digladiam alimentam-se, em grande parte, do apoio e da importância que lhe dão certas personalidades políticas daí.

Como Vª Exª sabe, os grupos existentes são dois: o do Dr. Neves, e o do coronel Melo efectivamente chefiado pelo Dr. Freitas Pimentel. Este último grupo é o mais numeroso e que tem gente mais susceptível de regeneração; o primeiro conta com algumas pessoas inteligentes, mas está bastante desacreditado; e a ultima cena da difamação do Eng. Nobre Guedes, positivamente inventada pelo Terra para demolir o Freitas Pimentel mostra a força das armas de que usa para expulsar os outros dos postos administrativos que ocupam.

Em minha opinião o que há a fazer é sustentar o Governador Civil (que é homem experiente e prestigiôso) e não variar de orientação. É inútil tentar conciliar as duas correntes, e tem que se governar com a gente que as constitui, porque não há outra. Balançar de um grupo para outro é alimentar a divisão: acho que melhor será aproveitar um (o que está agora na administração), procurar ajuizá-lo e limpá-lo de um ou outro elemento pior, porque com a continuidade os outros irão esmorecendo, perdendo esperanças, e como só a influencia do Dr. Neves os mantinha, talvez a recente saída dele ajude a que se dissolvam.

Aqui tem Vª Exª o que me parece sobre a atitude a tomar para com aquele meio mefítico e note Vª Exª bem: quanto mais importância lhe derem, pior. Deixemos que os mortos enterrem os seus mortos.

Devo estar de regresso a Lisboa à volta de 15 de Agosto e então terei ocasião de, de viva voz, elucidar melhor Vª Exª de quem sou, com a melhor consideração mº att. e obg.mo

Marcello Caetano