Página principal - Espirituais - Naturalismo - Venda das Raparigas - Stella Carbono - Maria Estela Guedes
 
venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006
R.'.V.'.C.'. das Raparigas, nº 16,
segundo Carta Constitutiva Definitiva de 2 de Outubro de 2010
STELLA CARBONO M.'.M.'.C.'.
Espécies carbonaria com imagens de Manuel Almeida e Sousa
Manuel Almeida e Sousa, artista plástico, entre outras artes, ofereceu-nos uma imagem que estamos a usar no cabeçalho das páginas da Venda das Raparigas. O trabalho apresenta alguns elementos simbólicos da Carbonária: a navalha, que uns dizem ser de poda, e nós classificamos como navalha de enxertia, seguindo as pisadas dos Mestres Jardineiros, a árvore, e um núcleo de criação pessoal do artista, a mesma árvore, oriunda da metamorfose da borboleta. Na raiz da árvore existe uma borboleta, imagem do espírito, no caso, subterrâneo, a lembrar a fórmula V.I.T.R.I.O.L., cuja tradução livre será, se permitirem: Visita o Íntimo da Terra e Retificando-te Incontrarás Oculto Lepidoptera.
 
Geochelone carbonaria.
In: http://www.123rf.com/photo_3930116_cherry-head-red-footed-tortoise-geochelone-carbonaria-on-white-background.html
Manuel Almeida e Sousa usou uma categoria de Lepidoptera em cujo nome figura a palavra «carbonaria»: Biston betularia f. carbonaria. O «f.» é abreviatura de «forma», quer dizer que se trata de uma forma da espécie, uma variação. As borboletas não devem ser carbonárias por terem andado nas lutas republicanas, sim por a sua cor ser escura. Tornaram-se mais negras do que as gerações anteriores de Biston betularia para se mimetizarem com os troncos de árvore escurecidos pela poluição das avenidas, escondendo-se assim dos predadores. Os segmentos sublinhados a vermelho visam mostrar o discurso ideológico da divulgação científica e às vezes da própria ciência, que induz os leitores a pensar que as borboletas tomaram uma decisão, a de controlarem o seu próprio devir evolutivo: enegreceram de propósito, de acordo com altas estratégias, com o objetivo de se tornarem invisíveis aos olhos das aves e das lagartixas que se alimentam delas. Posto este sinal de alerta frente à leitura, diremos que nos ocorreu falar das espécies carbonaria, carbonarius ou carbonarium, consoante os casos, para manifestarmos agrado e agradecimentos a Manuel Almeida e Sousa pela sua oferta amiga.

Porque é que os cientistas usam um termo tão marcado como carbonaria para identificarem as suas espécies? Esse «Porquê?» tem resposta, os elementos dos nomes científicos das espécies vegetais, animais e minerais não são aleatórios, obedecem a regras da descrição original. Quando o investigador colige dado número de indivíduos que não consegue identificar completamente, é porque eles pertencem a uma nova categoria de seres. Depois de comprovadaa novidade, é necessário participar a descoberta à comunidade científica. O autor escreve um artigo, a publicar normalmente numa revista internacional da especialidade, em que presta imensas informações, entre elas local, data de colheita e coletor, número de espécimes coligidos, descrição anatómica e do habitat, etc.. Também apresenta o desenho da nova categoria de seres e atribui-lhe um nome. Esse nome é explicado. Por exemplo, Lanius newtoni: «newtoni» porque o coletor dos beija-flores de S. Tomé que serviram para descrever a nova espécie foi Francisco Newton. A resposta aos nossos porquês depende da leitura do artigo onde foi descrita a espécie. Temos de verificar isso nas bibliotecas especializadas, de outro modo estaremos a imaginar.

Imaginemos.

Há muitas espécies cujo segundo nome é «carbonaria» ou termo da família:

Podarcis lilfordi carbonerae (lagartixas) - porque os exemplares que serviram para a descrição foram coligidos na Isla Carbonera, arquipélago das Baleares;

Hierophis viridiflavus carbonarius (cobras) - não sabemos, não lemos o texto com a descrição;

Geochelone carbonaria (tartarugas) - porque, diz-se, é escura, mas realmente o que tem de mais notável, em matéria de cor, é o vermelho do focinho e do pescoço;

Auplopus carbonarius (abelhas) - não sabemos.

Não sabemos, não lemos as descrições originais, admitimos que na maior parte dos casos se trate de formas melânicas, mais escuras, por os animais viverem em ilhas, onde apanham muito sol...

Não sabemos, os híbridos também costumam ser mais escuros que os parentes continentais, maiores, mais bonitos, por aí adiante. Sabemos é que existem outros termos para descrever a cor, muito usados também na nomenclatura, como melanicus, nigrus, obscurus, fuscus e outros. Se passarmos para um contexto moral, em que «negro» significa «moralmente repreensível», então temos um curioso «porcata» que aparece na sinonímia de tartarugas, uma delas Dermochelys coriacea, a que alguém chamou Dermochelys porcata. Se essa bela tartaruga se portou mal, ignoramos e de resto consideramos deselegante o moralismo. Agora que é negra, sim, digna do adjetivo «carbonaria», que aplicamos ao autor da sua descrição original, Domingos Vandelli.

Em suma, para fins científicos, as espécies carbonaria chamam-se assim por serem cor de carvão. Para outros fins, nada nos impede de imaginar que o seu autor era carbonário ou simpatizante da Carbonária. A verificação exige pesquisa em bibliotecas especializadas, muito trabalhinho, o que é bom para estudantes. Isto é um desafio a quem queira trabalhar na área da História, Crítica e/ou Filosofia das ciências.

 
Dermochelys porcata (= Dermochelys coriacea) - Tartaruga-lira
In: http://www.tamar.org.br/noticia1.php?cod=207
 
 
Manuel Almeida e Sousa
 
Manuel Almeida e Sousa