venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006

OS ROSTOS COR DE FULIGEM; INICIADOS?
Claude Desjardins

In: http://www.cdesjardins.com/charbonnerie.html  
Trad. StellaCarbono

O meu antepassado Claude Jourdain Desjardins usava o nome de Carvoeiro. Este nome pode ser associado, seja a um lugar, seja a profissões diferentes, se bem que relacionadas: fabricante de carvão de madeira e/ou de pólvora para canhão, e vendedor de carvão. Estou intimamente convencido de que era por causa da profissão exercida no Bourbonnais, que usava o nome de Carvoeiro.

Por outro lado, este nome é mistificador de vários pontos de vista. Entre os recém-chegados ao Canadá, quase três em dez adoptavam um apelido, quando tal prática era corrente no meio da soldadesca e em diversas corporações de ofícios. Nas actas recenseadas, nunca se menciona que o antepassado era militar, apesar de pensarmos que sim, ou que fosse carvoeiro de profissão. No recenseamento de 1667, Claude Jourdain Desjardins é designado como habitante. Se tivesse sido habitante na sua província de origem, como vários propõem, devia ter usado, à chegada ao Canadá, um apelido cuja proveniência se relacionasse com a terra (1).

O genealogista Jetté concluiu que a razão de ser de numerosos sobrenomes quebequeses permanece obscura. Acresce o facto de este nome possuir conotação mística pela referência à Carbonária…, uma organização muito especial. Para cúmulo, a comuna de Isle, local de nascimento de Claude, situa-se nas matas borbonesas. Ora é precisamente das matas do Bourbonnais (e de Bourgogne) que teriam provindo os rituais da Carbonária. Todos estes factores me incitaram a saber mais sobre o assunto.  

A CARBONÁRIA  

A Carbonária é uma sociedade secretíssima, com origem na noite dos tempos, e que permanece bem misteriosa. Nada sabemos dos primeiros ritos praticados, pois foi através do gesto e da oralidade que se perpetuaram. Os iniciados não deixaram vestígios de escrita. A estrutura antiga do “pensamento da floresta” é anterior ao Império Romano e recobria toda a Europa céltica, tanto atlântica como germano-escandinava e o conjunto das regiões balcânicas. Um estudo arqueológico e antropológico das eras de Hallstatt (entre 800 et 450 AC) e de La Tène mostra-nos uma sociedade pré-industrial forte e brilhante, cuja estrutura assenta em clãs disseminados no seio das florestas (lugares sagrados para os celtas).

A Carbonária era de facto um companheirismo reservado aos que trabalhavam nos ofícios da madeira e da floresta, associados à trilogia artesanal celta: “lenhador-carvoeiro-ferreiro”. Falando de maneira prosaica, era também forma de fidelizar uma mão-de-obra difícil de interessar. Estes ofícios exerciam-se fora das cidades, fora dos poderes da igreja e da monarquia, mas em defesa de uma grande ligação à natureza e de uma espiritualidade pagã (do latim paganus =campesino). Estes habitantes da floresta exerceram uma prática iniciática na transmissão do conhecimento do seu ofício, e naturalmente adoptaram rituais, cerimónias e símbolos à margem do cristianismo.

Para levar estes rostos de fuligem ao seio do catolicismo, um monge insinuou-se entre eles no século XI. Teobaldo (2) (1017-1066), nascido em Provins, na Champagne, eremita que na origem pertencia à família dos Thibault Conde de Champagne, encarregou-se de evangelizar os carbonários. Conta a lenda “que eles (carvoeiros) viviam em estado de primitivismo e de barbárie ignóbil, e que Teobaldo lhes ofereceu, além de Cristo, a moral e os meios para escaparem à animalidade na qual tinham mergulhado”.

Na verdade, sabe-se que não era assim. Mais uma vez, a Igreja teve de diabolizar e de animalizar os que evangelizou de seguida, para melhor justificar os seus fins.

O silêncio instalou-se sobre a Carbonária durante 400 anos.

Depois, no século XV, os nobres proscritos que tinham encontrado refúgio nas florestas borbonesas, durante as lutas que marcaram os reinados de Carlos VI (1368-1422) e Carlos VII (1403-1461), foram iniciados pelos carvoeiros que, por obrigação e por dever, estavam sempre presentes nestas florestas, altamente protectoras da sua liberdade. As assembleias, ou vendas, na linguagem da Carbonária, tinham lugar nos meios aristocráticos e na corte do rei. A nobreza apreciou grandemente esta maçonaria, em que o disfarce permitia os prazeres da boa carne e os brilhos da alta diversão. Um dos seus mais prestigiados defensores teria sido Francisco Iº (1494-1547) que, um dia, tendo-se perdido na floresta durante uma caçada, caiu furtivamente no meio de uma reunião ritual dos Carvoeiros. Estes, por dever de ofício, ofereceram-lhe hospitalidade. Como foi muito bem recebido, pediu para passar as provas, o que lhe foi concedido de imediato. Sentando-se sobre o cepo que servia de trono ao “Pai Mestre”, o rei forçou aquele a desalojá-lo com a seguinte frase, que veio a transformar-se em provérbio: “Senhor, o Carvoeiro é mestre em sua casa”.

Já se disse muitas vezes que foi a partir de então que Francisco Iº ganhou o hábito de tratar os seus próximos por “meu Bom Primo” ou “minha Boa Prima”, e que se tornou “protector dos lenhadores e carvoeiros”.

E depois foi de novo o silêncio.

Em França, a franco-maçonaria teria aparecido em Saint-Germain en Laye, em 1688. Mas também neste ponto diferem as opiniões, quanto ao nascimento da primeira loja francesa. Etienne Gout sustenta que a primeira loja conhecida em França dataria do dia 1 de Junho de 1726. É oportuno assinalar estas datas pois a Carbonária baseará no futuro os seus ritos florestais sobre a Franco-Maçonaria. Será preciso esperar exactamente 200 anos após a morte de Francisco Iº para a instalação em França de um rito florestal misto, por Charles François Radet de Beauchesne (ou Beauchaine); um deslizamento não velado para a franco maçonaria revolucionária.

O cavaleiro de Beauchesne tentou, cerca de 1747, recuperar em seu proveito os Ritos dos Lenhadores, mas foi a Ordem dos Lenhadores dita do Grande Alexandre da Confiança (figura ao lado) que constituiu a mais específica tentativa de evolução operativa da Franco-Maçonaria da Madeira, entre 1760 e 1770.

De resto, este rito não foi inventado por Beauchesne, mas apenas captado por ele na sequência de uma transmissão levada a cabo por um responsável das Águas e Florestas do condado de Eu. As diferentes corporações de ofícios dos florestais apresentam evolução histórica comparável com a da Franco-Maçonaria tradicional da pedra. Interrogamo-nos sobre se uma não terá bebido na outra os seus rituais, e vice-versa. Reparai nas famosas saúdes dos banquetes maçónicos: «Fogo! Grande Fogo! Fogo perfeito ! » Não serão elas a perfeita restituição das três fases de carbonização dos feixes de lenha ou medas dos carvoeiros, que ritmam o sacrifício da árvore e a sua transformação em carvão vegetal? E as famosas lojas maçónicas… não provêm dos usos e costumes dos carvoeiros?

“Os carvoeiros viviam com as famílias em cabanas a que chamavam lojas. Pouco a pouco, formaram-se aldeias com nomes como estes: Lojas de Dressais, Lojas da Cueille, Lojas de Cherpères, Lojas de Brenne, Lojas de Jopeau…”  

RITUAIS

Eis aquilo a que se poderia assemelhar o curso dos rituais maçónicos do Séc. XVIII, face a textos e quadros da Loja dos Fendedores e dos Carvoeiros.

Este testemunho, arquivado nas colecções da Loja "Perfeita União", descreve três quadros de um conjunto de dezassete pinturas. As telas foram expostas ao público em Bruxelas, em 1983, durante da comemoração do 150º aniversário do Grande Oriente da Bélgica.

O quadro 1 mostra uma aglomeração de Bons Primos. No centro, está uma meda a arder, da qual sairá o carvão vegetal. Uma personagem (Grão Mestre ou Pai Mestre?) está a brandir uma bengala num gesto que pode ser de autoridade, de apelo, ou apenas ritual; à sua esquerda está abaixado o pequeno lençol, guarnecido com as cinco bases. Parece assim que se prepara uma iniciação. Em primeiro plano, uma fila de bons primos avança; todos fazem o sinal de Aprendiz, que consiste, no caso deles, em balançar, dos ombros às ancas, as duas mãos fechadas, com os polegares levantados. No céu, por cima das árvores, aparecem os patronos da Ordem: S. Nicolau, S. José e o rei Salomão.

No quadro 2 assistimos a uma "recepção" (iniciação) no primeiro grau; é conferida na barraca de um bom primo ou na "câmara de honra", por três iniciados, e celebra-se debaixo do "pequeno lençol" sobre o qual estão pousados os símbolos iniciáticos, ditos "as cinco bases", a saber: a água, o fogo, o sal, o buxo (3) e o crucifixo. No primeiro plano, vemos rachadores operativos a trabalhar.

O quadro 3 representa, num lugar puramente florestal, uma venda de fendedores ou de Carvoeiros. A assembleia é presidida por um Grão Mestre, ajudado por dois Assistentes, que se posicionam a ocidente. Os bons primos, sentados frente a frente em grandes toros, sustentam o machado no ombro esquerdo. Parece que se anuncia uma refeição comunitária. A cerimónia decorre manifestamente num corte regulado, isto é, numa porção de floresta cujas árvores acabam de ser abatidas para venda (de madeira ou de carvão); daí o sentido que tomou a palavra "venda", que designa o local, a reunião que nele se faz, e o próprio agrupamento de pessoas.

Para voltarmos à História de França, a narrativa dos quatro Bons Primos de Larochelle, cuja cabeça caiu sob a guilhotina da Restauração, em 1822, relançou um certo interesse pelos mitos do Carbonarismo dirigido por La Fayette. Associada de preferência a uma grande milícia secreta cujo modus operandi era ditado pelos ritos da Franco-Maçonaria da Madeira, a Carbonária nada tem em comum com a Charbonnerie do século XI ou anterior. Claro, os 40.000 Bons Primos Carbonários dos anos 1800 procuraram manter as suas tradições em França até ao século XX, com maior ou menor sucesso.

Em conclusão

O meu antepassado terá sido um iniciado na Carbonária? Ter-se-á a tradição perpetuado no Canadá até finais dos anos 1700? Que outras razões poderiam ter levado os descendentes a conservar este nome até à quarta geração? Tudo isto faz parte do mistério.

Adaptação de textos e imagens provenientes das seguintes fontes:
Courriel de Georges Michard, membre de Genallier, 2004.
Histoires magiques de l'histoire de France, pages 272 à 283. Breton, Guy et Pauwels, Louis. 1999. © Albin Michel, 1977-1982. Omnibus.
Site internet : http://etab.ac-orleans-tours.fr/ec-saint-martin-ardentes/activit%C3%A9s_de_notre_ville.htm
Site internet : http://iblililiu.tyranz.com/textes/braises.html
Site internet : http://jccabanel.free.fr/mt_charbonnerie_et_franc.htm
Site internet : http://site.voila.fr/Chouette.Foret
Site internet : http://site.voila.fr/riteforestier
Site internet : http://site.voila.fr/rite.forestier/index.jhtml
Site internet : http://www.carboneria.it/carbochar.htm
Site internet : http://www.cg90.fr/gallery_files/site_1/389/391/memoirevlt52.pdf
Site internet : http://www.ezooccult.net/article.php3?id_article=124
Site internet : http://www.mathematical.com/champagnethibaut1165.htm
Site internet : http://www.morgane.org/rituel.htm
Site internet : http://www.morgane.org/RN/four.htm
Site internet : http://www.lamelagrana.net/
NOTAS DA TRADUÇÃO

(1) O apelido “Desjardins” significa “Dos Jardins"

(2) Thibault

(3) Le buis

 
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