SÃO TOMÉ EM 1903 / A FAUNA/ HISTÓRIA/ MAMÍFEROS
JÚLIO HENRIQUES
19-07-2003 www.triplov.com

c_cam_bombey

Fig. 17 - Cabombey, Charuto, Queijo, Zagaia

A FAUNA - HISTÓRIA

Nas crónicas do alemão Valentim Fernandes se dá a mais antiga notícia dos animais que se encontravam em S. Tomé. As informações que dá colheu-as de Gonçálo Pires «marinheiro que foi a esta e outras ilhas, muitas vezes, homem maduro e de credito, anno 1506, no dezembro». As informações dadas por êsse homem maduro são as seguintes:

"Ha nesta ilha bois que levaram para lá de Cabo Verde, tão grandes como de Portugal. E assim as váccas párem uma vez no anno.

"Cavallos quando os levam lá não vivem mais que um anno e dizem que morrem de gordura. Trazia o capitaõ d'agora duas burras tao gordas que parecia que queriam arrebentar.

"Ovelhas ha nesta ilha tao grandes como de Portugal, e na têem lãn se naõ no papo, e tudo outro ê cabellinho curto como de cão da nossa terra. E as ovelhas da Guiné párem como as cabras cada vez dois e tres cordeiros e ás vezes quatro. E as ovelhas que levam para lá de Cabo Verde párem de tres em tres meses.

"Cabras desta ilha e de Guiné são grandes de corpo e pequenas e curtas de pés, assim que a barriga lhes chega ácerca do chaõ. E párem cada vez e delles párem duas creanças, dellas tres, dellas quatro crianças. E o dito autor viu que cabrito dum mez nascido emprenhára naquelle mez. E os vira mamar e serem prenhes. As cabras que levaram para ahi das ilhas de Cabo Verde estas parem de tres em tres mezes e dois cabritos até tres ou mais.

"Porcos criam nesta ilha muitos que levaram de Portugal.

"Ratos grandes se criam aqui pelas matas e são proprio como os de cá com orelhas e rabo porém são tão grandes como grandes coelhos. E assim os comem lá como nós aqui os coelhos.

"Gallinhas da Guiné ha nesta ilha muitas e gallinhas como de cá.

"Falcões muitos e Rolas muitas. Pombas e seixes muitas. Alcatrazes muitos. Rabi-cortados muitos. Patas bravas e mansas muitas.

"Lagartos havia muitos e agora poucos de doze covados em longo. E comem homens e mulheres, vaccas e bois e animalia. Estes lagartos não vão fóra d'água senão que sempre lhes fica o rabo na agua doce. E qualquer animalia que toma e logo dá com ella na agua e dentro na agua o mata e o come. Empina-se sobre o rabo como um homem em pés.

"Cobras ha nesta ilha mui peçonhentas de dous covados de longo e de um braço de homem em gordo. E estão olhando os homens e não fogem d'elles. Estas cobras são negras de côr.

"Tubarões peixes no mar são como grande caçoes.

"Ha nesta ilha pexotas bicudas; e quem dellas como morre".

"Peixe agulha ha nesta ilha tambem peçonhento.

"Sardinhas tem, pequenas e boas.

"Badejos peixes, e muitos.

"Em agua doce tem enxarrocos muitos e bons.

"Disse-me Gonçalo Pires marinheiro que aqui tomaram um peixe feio com grandes dentes e sua feição era de cação de tres braças de longo".

Como complemento acrescenta: - Muitas galinhas da Guiné são muito bravas. Pombos bravos pelas arvores. Rollas, seixes, tordos; todas estas aves são mansas, e estão em cima das arvores, e andam os moços com uma vara, feito um laço de cordão na vara, e lhes lançam no pescoço, e as tiram para baixo. Todas estas aves se não podem comer de gordas, se não frigir e lançar fóra a gordura. -

Boa informação de homem maduro e de crédito.

Mais conciso é o piloto português. Menciona - uma infinidade de caranguejos semelhantes aos do mar, que andam por toda a ilha; os que nascem sobre os montes, são melhores do que os da planicie, porem todos elles se comem. Ha infinitas aves como perdizes, estorninhos, melros, e huns passaros verdes, que cantam, e tambem huma espécie de papagaios pardos. Pesca-se toda a qualidade de peixes, mas sobretudo em alguns tempos do anno: os saveis são delicadissimos nos meses de Junho e Julho. Entre esta ilha, e a costa de Africa, vê-se tão grande quantidade de balêas grandes, e pequenas, que he cousa maravilhosa de dizer. -

Mais proximo da verdade está esta informação.

Cunha Matos apenas faz a descrição da cobra negra - cuja mordedura causa immediatamente a morte: o comprimento das ditas cobras chega muitas vezes a 12 ou 15 palmos: é veloz em extremo, e brilha como um espelho: a cabeça é similhante á do pato com certas excrescências vermelhas como cristas, e tem o pescoço amarello. -

Lopes de Lima sem entrar na ilha indica, de certo de informação, como encontrando-se em S. Tomé - abutre, albatroz, andorinha, codorniz, curuja, corvo, estorninho, francelho, gaivota, garça, gavião, gralha, maçarico, melro, milhafre, mocho, pardal (ha-os de uma espécie muito linda como canários e com canto ), pardella, papagaio (são pardos), periquitos (são verdes), pica-peixes, pombos (de varias espécies), rabo-de-junco, rôla. -

Informação quási tão falsa como a que deu da constituição geológica da ilha.

O conhecimento exacto dos animais que na ilha vivem assim como no vizinho ilheu das Rolas é devido às explorações de C. Weiss em 1847, e muito especialmente às do Dr. Greeff em 1884 e dos Srs. A. Moller em 1885, Francisco Quintas e Francisco Newton, e últimamente dos naturalistas franceses Ch. Gravier e A. Chevalier.

O que actualmente se conhece é o seguinte:

Mamíferos 12
Aves 64
Reptís 18
Anfíbios 5
Peixes 118
Moluscos 181
Insectos 113
Miriápodos 10
Aracnídeos 27
Crustáceos 69
Polichaetas 23
Equinodermes 19
Celenterados 10

MAMÍFEROS

É bem de crer que uma exploração bem feita dará maior número de representantes do reino animal, atendendo a que uma grande parte da ilha está por explorar. Todos os terrenos altos para o Sul do Pico compreendendo o Pico de Ana de Chaves e o Cabombey estão ainda não estudados. O que se conhece porêm é já importante.

O número dos mamíferos é pequeno e dêsses nem todos são rigorosamente indígenas na ilha, mas apenas aclimados. Tais são ratos, a lagoia (Viverra Ciretta), a doninha, importados da Europa, e o cachalote, que tanto aparece no mar de S. Tomé como noutros mares. O Corcopithecus mona não é tambêm nativo da ilha, pois encontra-se na costa africana e em especial no Senegal. O Cynomycteris straminia, encontra-se tambêm nas ilhas do Príncipe e Fernando Pó, e êste morcego e o Phyllorrhina fuliginosa vivem igualmente na ilha do Príncipe, bem como o Crocidura thomensis. São portanto próprios da ilha só os tres morcegos Cynomycteris brachycephala, Phillorhina thomensis e Miniopterus Newtonii.

Pelo número e pelos prejuízos que produzem são os ratos os mais notáveis, verdadeira praga tanto nas habitações, como nas culturas de cacau. É grande a guerra que se lhes faz, mas a sua acção maléfica continúa.

É de triste efeito ver voando lentamente ao cair da tarde o guimbu (Phyllorrhyna thomensis) com suas grandes ásas negras; de dia cortam o grande silêncio das plantações o rouco grito dalgum macaco velho, ou os gritos agudos de grupos de macacos que ágilmente saltam de ramo em ramo.