SÃO TOMÉ EM 1903 / INTRODUÇÃO
JÚLIO HENRIQUES
19-07-2003 www.triplov.com

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Extractos de "A ilha de S. Tomé sob o ponto de vista histórico-natural e agrícola", de Júlio Henriques. Boletim da Sociedade Broteriana, Coimbra, 27, 1917.


INTRODUÇÃO

Desde quando o Jardim Botanico da Universidade de Coimbra começou a ter relações com os agricultores da ilha de S. Tomé, enviando-lhes plantas úteis e entre elas principalmente as da quina, para que encetassem novas culturas, nutri desejo de visitar esta ilha para ver e estudar processos agrícolas e para contemplar a explêndida vegetação tropical. Realizei êsse desejo em 1903.

A 23 de junho embarquei no Benguela. Os longos dias de viagem tornaram-se agradáveis pela amabilidade do pessoal do navio e pela optima convivência com os passageiros que seguiam para diversos pontos de Africa. Fóra do navio as distrações eram poucas. Repetidas vezes gastava horas contemplando o movimento constante do mar e de noite admirava a luminosa esteira do navio, na qual parecia que se moviam milhões de pirilampos. Sinais de vida eram dados por cardumes de peixes voadores, quando faziam uns curtos exercícios aéreos.

No isolamento em que nos achavamos durante longos dias era bem agradável ver ao longe a coluna de fumo dalgum vapor que passava, ou algum navio de vela, que com o Benguela conversava.

Boas bátegas de água, acompanhadas de trovões longínquos davam-nos sinais de proximidades da serra Leoa e por vezes o piar triste de aves nocturnas nos faziam conhecer que não navegavamos longe de terra.

A monotonia da longa estrada é cortada pelo brilhante quadro que oferece a ilha da Madeira, pelas ilhas de Cabo Verde, cujas costas negras e ásperas quási causam terror, pelas Canárias de tão curiosa vegetação e sobretudo pelo aspecto admirável da ilha do Principe, na qual, tudo, desde o mar até aos lugares mais altos, está coberto de densa vegetação. Parece mesmo que elegantes palmeiras surgem das águas do mar. É bem curiosa a forma dum rochedo, proximo da ilha, conhecido com o nome de boné de jokei.

Ao fim de 18 dias ao amanhecer tive o prazer de me encontrar em frente da ilha de S. Tomé. Cedo desembarquei e em terra tive a satisfação de encontrar amigos e grande número de administradores de roças, que amavelmente me convidaram para visitar as culturas que dirigiam. No dia anterior tinham vindo dar uma grande demonstração de amizade ao Dr. António José de Almeida, que nesse dia deixava S. Tomé, onde era por todos sobremodo estimado.

Jantei na - sala dos doutores (1) - com amigos dos tempos de Coimbra, que me prodigalisaram todas as amabilidades. Segui depois por entre palmeiras para a roça Boa Entrada, nome bem escolhido. Pertence esta magnífica roça ao Ex.mo Sr. Henrique de Mendonça. Prevenido por êste senhor o administrador da roça, o Sr. Silvestre Dias da Silva, apenas desembarquei, comunicou-me as ordens que tinha recebido e que por isso me conduziria até à Boa Entrada.

Assim se fez, e aí passei alguns dias bem agradàvelmente.

Voltei à cidade e embarcando no pequeno vapor que fazia o serviço da ilha, depois de dobrar, não o Cabo das tormentas, mas o Morro Carregado, aportei ao mesmo porto, onde tinham aportado em 1470 João de Santarem e Pero de Escobar. Daí segui para a roça Ponta Figo, onde o Sr. José da Costa Santos me deu optimo acolhimento e donde fiz interessantes digressões. Segui daí depois, fazendo paragem mais ou menos longa, por Ponta Furada, S. Miguel, S.to António de Mussacabú, Jou, Porto Alegre, donde fui ao ilheu das Rolas, trepei até Monte Mario, posição explêndida, Novo Brasil e depois através de longas plantações de cacau até S. João dos Angolares e roça Granja. Embarquei e segui para a cidade, indo daí à roça Agua-Izé e seguindo por Huba-Budo, Nova Java, passei a visitar as roças das regiões altas, Saudade, Nova Moka, Monte Café, S. Nicolau, subindo até a Lagoa Amelia, não chegando a realizar a ascensão ao Pico de S. Tomé, como tanto tinha desejado.

Desci até Ponta Figo e daí pela Rosema, por caminho, que só para cabras poderia servir, entrei na grande roça Rio do Ouro onde me esperava delicado acolhimento, graças à amabilidade do proprietário, O Ex.mo Sr. Marquês de VaIflor. Aí passei alguns dias tendo ocasião de conhecer uma das principais roças da ilha, senão a primeira.

Quem tinha começado a visita em S. Tomé pela Boa Entrada, não podia terminá-Ia melhor, passando os últimos dias nesta explêndida roça, à qual está ligado o nome dum dos principais fomentadores da agricultura de S. Tomé, o Dr. Gabriel de Bustamante.

O Cabo Verde, no qual tinha de embarcar, estava prestes a partir. Forçoso era nele entrar deixando com profunda saudade a terra na qual tinha passado tão belos dias, e recebido em toda a parte o melhor acolhimento, as mais afáveis distinções, de que sempre guardarei saudosa recordação.

O grande interesse que nutro por tão interessante ilha levou-me a estudar tudo quanto lhe diz respeito. O tempo passado na ilha foi curto para dela obter conhecimento completo. Apesar disso julguei dever procurar dar da ilha a mais completa notícia, mas quási só sob o ponto de vista histórico-natural. Na descrição fisica valeram-me extraordinàriamente as publicações do distinto engenheiro Ezequiel Campos, das quais fiz longas transcrições, por que me era impossivel fazê-las iguais, e valeram-me ainda as minuciosas informações que dele recebi. Sem tal auxílio eu pouco poderia escrever. Mal posso agradecer todo o valioso auxílio que me prestou.

A um outro amigo, o Conselheiro Francisco Felisberto Dias Costa, devo favores especiais. Foi êle quem me animou a empreender a viagem a S. Tomé, e quem para isso me auxiliou de modo muito especial. De justiça era dedicar êste meu trabalho à sua memorla.

De vários outros amigos recebi elementos importantes, tais como fotografias, plantas, animais e informações. Foram êles a Ex.mo Sr. & D. Laura Almeidinha, e os Ex.mos Srs. Dr. Lúcio Abranches, Dr. Adriano Pessa, Henrique de Mendonça, Marquês de Valflor, Mário F. Lopes, A. Lucas, Dr. Eduardo Lemos, Armando Cortezão, Aníbal Gama, Acácio Magro, e igualmente a Direcção da Sociedade de emigração para S.Tomé e Principe, que amavelmente emprestou não poucos clichés de gravuras, que se encontram no magnífico relatório referente ao ano de 1914.

A todos dirijo os mais sinceros agradecimentos.

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(1) Sala dum pequeno hotel, onde jantavam o juiz, delegados, advogados e outros empregados públicos.