O OVO DE OURO /Alca impennis
Maria Estela Guedes / www.triplov.com
22-07-2003
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Por tudo isto o nosso site é triplóvico, e não podia deixar escoar-se a Páscoa sem umas palavras acerca da espécie que pôs o emblemático ovo na fachada. Não é um ovo qualquer, sim o celebérrimo "ovo de ouro", que aliás nenhuma relação manifesta com a menos célebre galinha dos ovos de ouro! É verdade, por "ovo de ouro" ficou conhecido o da Alca impennis : extinta a espécie (estas declarações são sempre perigosas, muitas espécies dadas como extintas têm vindo a reaparecer, caso discreto de aves em São Tomé e Príncipe, caso já mais famoso do celecanto), os ovos nas mãos de coleccionadores e comerciantes vendiam-se a peso de ouro. Nada menos que 400 francos pagou o Barão de Veze por um e algo rachado, e 100 era quanto pediam e não pôde pagar o Barão d'Hammonville (1888), autor em que coligimos alguma desta informação, bem como as quatro estampas de ovos de Alca impennis, em animação no cabeçalho, da sua autoria. Cinco pagara antes disso O. Des Murs, o criador de uma nova ciência, com a publicação do "Traité d'Oologie" (1866), cujo objecto são os ovos de ave. A oologia é um auxiliar precioso da sistemática e da zoogeografia: nem sempre é fácil capturar as aves que puseram certos ovos, por isso os ovos dizem que aves os puseram. De outra parte, de aves fáceis de capturar em certos lugares pode nunca ninguém ter visto os ovos, e então isso é certamente sinal de que a espécie é migradora e não residente : a diferença entre aves residentes e visitantes é nenhuma para o comum dos mortais, mas para a ornitologia é tanta que as visitantes podem nem uma referência merecer nas publicações da especialidade, o que é deveras decepcionante para quem ama os pombos ou os canários, por suposição, e não a sua origem (que pode ser o aviário) ou distribuição geográfica - aves domésticas e cosmopolitas não despertam o interesse dos ornitólogos, sim, eventualmente, dos veterinários.



Poucos cientistas tiveram oportunidade de estudar a Alca impennis, cujos últimos indivíduos foram vistos no século XIX. Porém a ciência é categórica em afirmar que um dos principais motivos do seu desaparecimento foi o facto de as fêmeas só porem um ovo por ninhada e só aninharem uma vez por ano. Eis outra razão para os ovos serem de ouro.


Quanto ao grupo de aves a que pertence a Alca impennis, já não me atrevo a abrir o bico, pois nem os especialistas estão de acordo neste ponto. Em geral, passa por ser um pinguim, "Pingouin brachyptère", segundo o Barão d'Hammonville, mas realmente, diz E. Ray Lankester (1906), é mais um albatroz. Quanto a mim, leiga no assunto, diria que a Alca se chama impennis, não por não ter pénis, sim por não ter penas adequadas ao voo - tal como o dodó e os avestruzes, os pinguins não voam, ao passo que o albatroz, basta ter lido o poema que Baudelaire lhe dedica, para ficarmos cientes de que em terra pode ser um inepto, mas nos céus é uma estrela. Como a estampa da ave foi retirada do seu livro, "Extinct Animals", e como Ray Lankester se sente na necessidade de informar que as aves são animais, melhor será ficar por aqui e ceder-lhe a palavra em digitalização directa, sempre se diminui o risco da floresta de enganos em que os naturalistas são exímios em lançar os incautos leitores.

Ray Lankester (1906)