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OS LIVROS DA WALKYRIA
JÚLIO VERNE
VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS

CAPITULO XVI:
Ficamos Sem Ar

Portanto, o Nautilus estava rodeado de todos os lados por um muro de gelo intransponível. Éramos prisioneiros do banco de gelo. O canadense deu um forte murro sobre a mesa. Conselho nada disse e olhei para o capitão, cuja fisionomia havia recobrado a sua impassibilidade costumeira. Estava de braços cruzados, em atitude de meditação. O Nautilus permanecia imóvel.

O capitão Nemo falou calmamente:

- Senhores - disse ele dirigindo-se a Conselho e a mim, com voz pausada - , nas condições em que nos encontramos, podemos morrer de duas maneiras : esmagados ou por asfixia. Não falo da possibilidade de morrer de fome, porque as provisões do Nautilus durarão, na certa, mais do que nós. Com relação ao ar, teremos nossas reservas esgotadas antes de quarenta e oito horas.

- Pois bem capitão, tratemos de afastar esse perigo antes de transcorridos essas quarenta e oito horas.

- Tentaremos isso imediatamente; pelo menos, perfurando a muralha que nos cerca.

- De que lado? - perguntei.

- Isso nos informará a sonda. Vou fazer o Nautilus parar no banco inferior, e meus tripulantes, equipados com escafandros, perfurarão o iceberg pelo seu ponto mais fraco.

O capitão Nemo saiu. Logo depois, os silvos nos indicaram que a água estava invadindo os depósitos. O Nautilus desceu lentamente até descansar sobre a massa de gelo, a uma profundidade de trezentos e cinqüenta metros.

- Meus amigos - disse a Conselho e a Ned Land, em tom comovente - , a situação é grave, porém conto com a amizade e a persistência de vocês.

- Sr. Aronnax - falou o canadense -, seria incômodo importuná-lo com minhas recriminações nessa hora. Estou disposto a fazer o que for preciso para o bem comum.

- Pois bem, Ned - retorqui, estendendo-lhe a mão. - O capitão não recusará os seus serviços.

E a seguir, conduzi o canadense ao local onde os tripulantes ajustavam os seus escafandros, comunicando ao capitão a oferta de Ned, que foi aceita. Quando Ned já estava vestido, voltei ao salão, examinando através das vidraças as camadas circundantes que sustentavam o Nautilus.

Logo depois, pisavam no o banco de gelo doze marinheiros, entre os quais estava Ned Land, que se destacava pelos seu porte elevado. O capitão os acompanhava.

Antes de efetuar a perfuração das muralhas, o capitão fez sondagens com a finalidade de garantir a boa orientação dos trabalhos. Foram introduzidas sondas nas paredes laterais; porém, a quinze metros, depararam-se ainda com aquela massa compacta. Não podiam calcular a superfície superior, uma vez que esta era formada pelo mesmo banco de gelo, que media mais de quatrocentos metros de altura. O capitão Nemo ordenou que se sondasse a superfície inferior, constatando que havia uma distância de dez metros entre nós e a água, que era a espessura do iceberg. O procedimento inicial a se seguir seria separar um pedaço de superfície igual à linha de flutuação do Nautilus, ou sejam arrancar seis mim e quinhentos metros, mais ou menos,m com o intuito de abrir um furo que nos permitisse deslizar por baixo do campo de gelo.

Em vez que escavar em torno do submarino, o que ocasionaria muitas dificuldades, o capitão Nemo mandou abrir uma extensa fossa a oito metros do lado de estibordo. Os marinheiros furaram, repetidas vezes, ao mesmo tempo a vários pontos.

No dia 27 de março, já se havia aberto seis metros de canal. Faltavam apenas quatro, representando um trabalho adicional de quarenta e oito horas. O ambiente do navio não podia ser renovado. Às três da tarde, a sensação de angustia que me dominava atingiu o limite máximo de suportabilidade. Os bocejos deslocavam as minhas mandíbulas; meus pulmões ofegavam à procura de ar, que se ia esgotando rapidamente.

Numa situação tão intolerável, igual para todos os tripulantes a bordo, com que alegria e precipitação colocávamos os nossos escafandros, para retomar o rodízio de trabalho.

O Nautilus estava naquele momento sobre uma camada de gelo, que media apenas um metro de espessura, e perfurada em vários pontos pela sonda.

Apesar dos zumbidos em meus ouvidos, percebi certos tremores sob o casco do Nautilus. Logo se produziu um desnível. O gelo fez um ruído típico, como o de um papel que se rasga, e o submarino passou.

- Atravessamos! - murmurou Conselho.

Não pude responder. Peguei sua mão e apertei-a.

De repente, arrastado pelo seu excesso de carga, o submarino afundou nas águas como uma bala; isto é, caiu a prumo como se descesse no vácuo.

Consultei o manômetro. Estávamos a vinte pés da superfície, separados do oxigênio por uma simples camada de gelo.

Conseguiríamos rompe-la? Impossível! Porém, o Nautilus iria tentar. Impulsionado pela sua poderosa hélice, investiu como um ariete sobre o iceberg, perfurando-o aos poucos. Abriu-se a escotilha, e o ar puro entrou em lufadas em todos os pontos do submarino.