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OS LIVROS DA WALKYRIA
JÚLIO VERNE
VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS

CAPITULO VI
O Arquipélago Grego

 

No dia 12 de fevereiro, de manhã, o Nautilus subiu até a superfície. Corri à plataforma. A três milhas ao sul se delineava a vaga silhueta de Pelusa. Uma correnteza nos havia transportado de um mar a outro. Porém, aquele túnel, fácil e descer, deveria ser impraticável no sentido contrário.

Ned Land e Conselho não acreditavam que estávamos no Mediterrâneo; quando, de fato, convenceram-se de que não era nenhum engano, pois divisavam a costa egípcia e os molhes de Port Said, o canadense me propôs novamente abandonarmos o submarino.

- Estamos na Europa - disse Ned Land -, e antes que os caprichos do capitão Nemo nos levem até o pólo Norte ou nos façam voltar a Oceania, peço-lhes que planejemos a fuga do Nautilus.

Tenho que confessar que esse assunto sempre me perturbava. Não queria diminuir a liberdade de meus companheiros, e, por outro lado, não sentia o menos desejo de separar-me do capitão Nemo. Graças a ele e ao submarino, ia completando, dia a dia, meus estudos e aperfeiçoava meu livro relativo às profundezas do mar, em seu próprio habitat. Teria outra oportunidade de admirar as maravilhas do oceano? Portanto, não podia conformar-me com a idéia de fugir do Nautilus, sem antes ter feito todas as pesquisas.

Externei meus pensamentos a Ned Land, que permaneceu em silêncio por alguns instantes, embora percebesse pelos seus gestos que ele não aprovava minhas idéias. Por fim, aceitei seu plano de fuga quando a ocasião fosse propícia.

Dois dias depois, resolvi dedicar algumas horas ao estudo dos peixes do arquipélago grego; porém, não sei porque as escotilhas permaneceram hermeticamente fechadas. Notei que o Nautilus seguia em direção a Creta.

Depois do almoço, voltei ao salão e trabalhei até as cinco horas da tarde. Nesse momento, senti um calor tão forte que tive que tirar meu agasalho. Isso era incompreensível, pois nos achávamos em latitude alta, e, além disso, o Nautilus, submerso, não devia sofrer nenhuma elevação de temperatura. Olhei o manômetro. Marcava uma profundidade de sessenta pés, portanto inatingível para o calor atmosférico.

Continuei meu trabalho; entretanto, a temperatura elevou-se até tornar-se insuportável.

Quando me dispunha a sair do salão, adentrou o capitão Nemo. Aproximou-se do termômetro e disse, voltando-se para mim:

-Quarenta e dois graus.

- Será possível?

- Pois, olhe! Estamos flutuando em uma correnteza de água fervente.

Os painéis metálicos deslizaram em seus frisos, deixando ver o mar através das escotilhas. Uma fumarada de vapores sulfurosos espalhava-se pelas águas, que borbulhavam como as de uma caldeira. Encostei a mão em um dos vidros, mas o calor era tão intenso que tive que retirá-la.

- Onde estamos?

-Perto da ilha Santorin.

- Imaginava que a formação dessas novas ilhas já havia terminado.

- Nas paragens vulcânicas - objetou o capitão -, a transformação é permanente, por causa da situação constante dos fogos subterrâneos.

- E o canal que atravessamos agora? - perguntei.

- Ei-lo aqui - respondeu o capitão Nemo, mostrando-me um mapa do arquipélago. - Como está vendo, marquei no mapa as novas ilhotas.

- Mas o canal acabará obstruído.

- É provável, sr. Aronnax, porque desde 1866 surgiram oito pequenas ilhas de lava em frente ao porto de São Nicolau, de Palea-Kameni; da mesma forma que no meio do Pacífico são os infusórios que formam os continentes, aqui são os fenômenos eruptivos. Veja o trabalho que é feito sob as ondas!

- Aproximei-me novamente da vidraça. O Nautilus estava parado. O calor era insuportável. O mar havia adquirido coloração vermelha em virtude da presença de sais de ferro. Embora o salão permanecesse fechado, percebiam-se emanações sulfurosas.

O capitão transmitiu uma ordem, e o Nautilus deu meia-volta e se afastou daquele fervedouro.

No dia seguinte, deixamos a baía, e o Nautilus, passando próximo a Cerigo, afastava-se do arquipélago grego, depois de dobrar o cabo Matapã.