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OS LIVROS DA WALKYRIA
JÚLIO VERNE
VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS
CAPITULO XI:
O Nautilus
 

Quando seus nervos se acalmaram, virou-se para mim e disse :

- Se deseja visitar o Nautilus, professor, estou à sua disposição.

Levantei-me e acompanhei o capitão Nemo. Este abriu uma porta e entramos em outra sala, parecida com a que acabáramos de sair.

Essa sala era a biblioteca. Admirei suas estantes de jacarandá, com incrustações em bronze, que dispunham em suas espaçosas prateleiras de um grande número de livros, muito bem encadernados.

- Parabéns, capitão. Deve haver aqui no mínimo seis mil volumes.

- O senhor está enganado, professor. Existem doze mil. O mundo acabou para mim no dia em que submergi com o Nautilus! Nesse dia comprei os últimos livros e as últimas revistas. Não é preciso dizer que está tudo a sua disposição.

Aproximei-me das estantes, depois de haver agradecido com um gesto a cortesia do capitão. Na biblioteca havia muitos livros científicos, de moral e de literatura, escritos em todos os idiomas.

Constavam na biblioteca as melhores obras de autores antigos e modernos, desde Homero até Victo Hugo, desde Xenofonte até Michelet, desde Rabelais até George Sand. Porém, o que predominava eram os livros científicos, que ocupavam um lugar de destaque junto às obras de História Natural. Em um local especial vi dois volumes de minha autoria. Este fato me agradou. Entre as obras de José Bertrand, uma intitulada Os fundadores da astronomia forneceu-me uma pista certa. Sabia que tinha sido publicada em 1865 e entendi que a expedição do Nautilus não podia ter sido realizada em época anterior àquela. Portanto, fazia três anos no máximo que o capitão Nemo havia iniciado a sua vida submarina.

- Agradeço a sua atenção, ao me permitir utilizar a sua biblioteca - disse o capitão. - Este acervo contém verdadeiros tesouros e saberei tirar o máximo de proveito deles.

- Esta sala não é apenas uma biblioteca. Uso-a também para fumar - disse-me o capitão Nemo.

- Fumar?! - exclamei surpreso. - O senhor tem também fumo a bordo?

- É claro que sim.

- Nesse caso, posso pensar que o senhor tem contatos em Cuba.

- Não, professor. Nada tenho a ver com Cuba. Aceite esse cigarro, embora não seja um havana, garanto-lhe que ficará satisfeito.

Peguei o cigarro, acendi-o e aspirei as primeiras baforadas com a volúpia de um fumante que passou dias sem fumar.

- O senhor tem razão, capitão. É muito bom, porém não é fumo.

- Não, não é fumo. Esta folha não provém de Havana nem do Oriente. É uma espécie de alga, muito rica em nicotina, originária do mar. Sente falta de seus havanas?

- Não só não sinto falta, como deixo de apreciá-los a partir de hoje.

- Fume quantos quiser, professor, e não discuta sobre a origem dos cigarros. Embora não tenham marca, não os considero inferior aos outros.

- Pelo contrário, capitão. São os melhores.

Naquele instante o capitão Nemo abriu uma porta, situada em frente à biblioteca, e entramos em um grande salão, muito bem iluminado. Fiquei maravilhado com o que vira. Tratava-se de um verdadeiro museu de arte. Cerca de trinta quadros, obras-primas, enfeitavam as paredes, recobertas com damascos discretos. Havia telas do mais alto valor, muitas das quais havia admirado nas coleções particulares da Europa e nas exposições de pintura. Havia uma Madona, de Rafael, uma Virgem, de Leonardo da Vinci, uma ninfa, de Correggio, um Veronez, uma Assunção, de Murillo, um retrato de Holbein e outros quadros de Velásquez, Ribera e Rubens. Dos autores modernos,m havia quadros assinados por Delacroix, Ingres, Decampas, Troyon, Meissonier, entre outros. Estava francamente boquiaberto diante de tantas maravilhas.

- Parabéns, capitão. O senhor é um artista - disse.

- Apenas um amador, professor - respondeu. - Gostava de colecionar obras de arte e pude reunir alguns exemplares de valor...

O capitão Nemo calou-se, parecendo mergulhar em profunda meditação. Respeitei o seu recolhimento e continuei observando as maravilhas que enriqueciam a sala.

Além das obras de arte que mencionei anteriormente, havia também muitas raridades naturais, especialmente plantas, conchas e outros produtos do oceano, na certa achados do capitão.

Teria sido impossível calcular o valor daquela coleção de obras de arte. O capitão Nemo devia ter gasto uma enorme quantia para adquirir tantos objetos.

Depois de algum tempo, o capitão comunicou-me que a visita havia terminado e que me conduziria ao meu camarote, para que ficasse conhecendo o local que me havia reservado.

Acompanhei o capitão até o camarote, que era uma sala elegante, com leito, penteadeira e outros móveis.

Não pude deixar de agradecer sinceramente sua hospitalidade e atenções.

- Nossos camarotes são contíguos - disse ele, abrindo uma porta - , e o meu é enconchado ao salão, do qual acabamos de sair.

Entrei no camarote do capitão que possuía um aspecto discreto, sem luxo nem comodidades. Continha apenas o necessário.

O capitão Nemo pediu que me sentasse e, a seguir, explicou-me o que será mencionado no capítulo a seguir.