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SOPHIA, A VOZ QUE FICA
Selecta de Rui Mendes

MEDITAÇÃO DO DUQUE DE GANDIA
SOBRE A MORTE DE ISABEL DE PORTUGAL

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Nunca mais

A tua face será pura limpa e viva

Nem o teu andar como onda fugitiva

Se poderá nos passos do tempo tecer.

E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

A luz da tarde mostra-me os destroços

Do teu ser. Em breve a podridão

Beberá os teus olhos e os teus ossos

Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver

Sempre,

Porque eu amei como se fossem eternos

A glória, a luz e o brilho do teu ser,

Amei-te em verdade e transparência

E nem sequer me resta a tua ausência,

És um rosto de nojo e negação

E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
Mar Novo, 1958
 
O AMOR
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Não há para mim outro amor nem tardes limpas

A minha própria vida a desertei

Só existe o teu rosto geometria

Clara que sem descanso esculpirei.

E noite onde sem fim me afundarei.
O Cristo Cigano, 1961
 
A PEQUENA PRAÇA
...
A minha vida tinha tomado a forma da pequena praça

Naquele Outono em que a tua morte se organizava meticulosamente

Eu agarrava-me à praça porque tu amavas

A humanidade humilde e nostálgica das pequenas lojas

Onde os caixeiros dobram e desdobram fitas e fazendas

Eu procurava tornar-me tu porque tu ias morrer

E a vida toda deixava ali de ser a minha

Eu procurava sorrir como tu sorrias

Ao vendedor de jornais ao vendedor de tabaco

E à mulher sem pernas que vendia violetas

Eu pedia à mulher sem pernas que rezasse por ti

Eu acendia velas em todos os altares

Das igrejas que ficam no canto desta praça

Pois mal abri os olhos e vi foi para ler

A vocação do eterno escrita no teu rosto

Eu convocava as ruas os lugares as gentes

Que foram testemunhas do teu rosto

Para que eles te chamassem para que eles desfizessem

O tecido que a morte entrelaçava em ti

Dual, 1972
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