TEATRO

 
Farsa de Inês Pereira
GIL VICENTE
 

Inês está concertada Pera casar com alguém?

MÃE
Até 'gora com ninguém Não é ela embaraçada.

LIANOR
Eu vos trago um casamento Em nome do anjo bento. Filha, não sei se vos praz.

INÊS
E quando, Lianor Vaz?

LIANOR
Eu vos trago aviamento.

INÊS
Porém, não hei-de casar Senão com homem avisado Ainda que pobre e pelado, Seja discreto em falar

LIANOR
Eu vos trago um bom marido, rico, honrado, conhecido. Diz que em camisa vos quer

INÊS
Primeiro eu hei-de saber Se é parvo, se sabido.

LIANOR
Nesta carta que aqui vem Pera vós, filha, d'amores, Veredes vós, minhas flores, A discrição que ele tem.

INÊS
Mostrai-ma cá, quero ver

LIANOR
Tomai. E sabedes vós ler?

MÃE
Hui! e ela sabe latim E gramática e alfaqui E tudo quanto ela quer!

INÊS
(lê a carta)

«Senhora amiga Inês Pereira, Pêro Marquez, vosso amigo, Que ora estou na nossa aldea, Mesmo na vossa mercea M'encomendo. E mais digo, Digo que benza-vos Deos, Que vos fez de tão bom jeito. Bom prazer e bom proveito Veja vossa mãe de vós.

Ainda que eu vos vi Est'outro dia folgar E não quisestes bailar, Nem cantar presente mi...»

INÊS
Na voda de seu avô, Ou onde me viu ora ele? Lianor Vaz, este é ele?

LIANOR
Lede a carta sem dó, Que inda eu são contente dele.

Prossegue Inês Pereira a carta:

«Nem cantar presente mi. Pois Deos sabe a rebentinha Que me fizestes então. Ora, Inês, que hajais bênção De vosso pai e a minha, Que venha isto a concrusão. E rogo-vos como amiga, Que samicas vós sereis, Que de parte me faleis Antes que outrem vo-lo diga. E, se não fiais de mi, Esteja vossa mãe aí, E Lianor Vaz de presente.

Veremos se sois contente Que casemos na boa hora.»

INÊS
Des que nasci até agora Não vi tal vilão com'este, Nem tanto fora de mão!

LIANOR Não queirais ser tão senhora. Casa, filha, que te preste, Não percas a ocasião.

Queres casar a prazer No tempo d'agora, Inês? Antes casa, em que te pês, Que não é tempo d'escolher. Sempre eu ouvi dizer: «Ou seja sapo ou sapinho, Ou marido ou maridinho, Tenha o que houver mister.» Este é o certo caminho.

MÃE
Pardeus, amiga, essa é ela! «Mata o cavalo de sela E bom é o asno que me leva». Filha, «no Chão de Couce Quem não puder andar choute.» E: «mais quero eu quem m'adore Que quem faça com que chore». Chamá-lo-ei, Inês?

INÊS
Si.

Venha e veja-me a mi. Quero ver quando me vir Se perderá o presumir Logo em chegando aqui, Pera me fartar de rir.

MÃE
Touca-te, se cá vier Pois que pera casar anda.

INÊS
Essa é boa demanda! Cerimónias há mister Homem que tal carta manda? Eu o estou cá pintando: Sabeis, mãe, que eu adivinho? Deve ser um vilãozinho Ei-lo, se vem penteando: Será com algum ancinho?

 
Farsa de Inês Pereira
Aqui vem Pêro Marques...>>>>>>>>>>>>
 
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