Armando Nascimento Rosa

A ILUSÃO CÓSMICA
VIAGEM AO FUTURO NO PALCO

Terceiro Acto
Candidato Ideal

Cena 6

(No laboratório de NÁRIA, já se encontramLUCY, ANGE ROI e FRANZ. NÁRIAeHÉLIOnão escondem expressões de desconfiança e desafio ao prepararem-se para ouvir o que os PETtêm para lhes propor. O clone OLÍMPIO brinca no chão, a um canto da cena, absorvido com a montagem de um kit de muitas peças, representando uma estação orbital; amiúde consulta um prospecto com as instruções - abana a cabeça entusiasmado com a música que escuta nos seus auscultadores, alheio assim às conversas que se desenrolam entre as restantes personagens.)

LUCY PET: Peço que nos desculpe, Nária, por termos trazido connosco o clone do presidente... o Olimpiozinho, como nós lhe chamamos. Ele é a réplica física de Olímpio Areia. É provável que a impressione. Sei que é uma hora ingrata para si, perder um pai.

NÁRIA: Mas como pode você saber que Olímpio era meu pai? (Olhar reprovador para HÉLIO.) Já tu foste dar à língua, Hélio? Não acredito!

HÉLIO: (Voz de desapontamento.) Ainda bem que não acreditas... Não me parece ser ocasião para discussões domésticas...

LUCY: Nária, não atire as culpas ao seu namorado. É longa e incrível a história que tenho para contar-lhe. Na verdade, eu sei que a Nária é filha de Olímpio Areia, vários meses antes da sua mãe, Kora Tai Shin, a ter dado à luz em Zurique.

NÁRIA: Mas você quer confundir-me! Como posso eu acreditar nisso, se nessa época vivia a Lucy em Blue Moon, vestindo a pele de uma universitária!

LUCY: Pois, disse bem, o problema é o vestirmos uma pele que não é nossa. Ao olhar para mim, como todos o fazem, a Nária observa uma pessoa que não sou eu, mas não tive outra alternativa senão fingir sê-lo. Se eu lhe dissesse que me tive de mascarar para salvar a vida, que a Lucy Pet que você vê não passa de uma genial criação de um cirurgião plástico. Ele copiou os traços anatómicos de Lucy Pet e aplicou-os em mim como um escultor de corpos vivos. Era pouca a diferença que tínhamos em altura e a estrutura óssea do rosto não levantou obstáculos. Depois do cirurgião, fui eu que tive de decalcar uma personalidade que me era estranha.

NÁRIA: (Intrigada e pouco crédula.) Mas se não é Lucy Pet que fala comigo, quem é você então?

LUCY: Podia dizer-lhe já o meu nome, mas as memórias negativas que ele traz não a deixariam ouvir-me.

NÁRIA: (Desarmada e melancólica) Fale então, seja você quem for; e diga o que lhe apetecer. O meu pai pediu-me ajuda mas já nos deixou e mesmo que sejam vocês os culpados, o principal de tudo não tem remédio.

LUCY: Ponha-se no lugar em que me encontrei. Imagine que a Nária era acusada de liderar uma rede ilegal de comércio monstruoso, que você sabia que estava a ser usada como bode expiatório, e que, mesmo assim, não revelava a identidade dos culpados porque entre eles se encontrava o seu marido.

NÁRIA: Mas se ele era culpado e o negócio era monstruoso, por que não denunciá-lo?

LUCY: Não era assim tão fácil. Eu sabia que ele fora arrastado pela mira do lucro. Foi um fraco e fechou os olhos à origem do dinheiro que permitiu financiar-lhe a campanha eleitoral, e acabaria por colocá-lo na presidência de LiberAres.

NÁRIA: (Azeda) Estou a falar com Salira Fetóva, a mulher que eu aprendi a odiar por me ter separado do meu pai, fazendo de mim e de minha mãe duas exiladas.

LUCY/SALIRA: Habituei-me a viver com as calúnias. Essa foi apenas mais uma que Olímpio inventou para se proteger e protegê-la a si e à sua mãe. Não é agradável falar assim de alguém que acabou de falecer, mas eu preciso desesperadamente que conheça um pouco do meu drama, e de quem foi ou é Salira Fetóva. Olímpio envolveu-se com a rede de tráfico de embriões, mas a certa altura não suportou mais a pressão e quis cortar todos os laços que o uniam a essa maligna fonte de divisas. É evidente que eles o chantagearam de todas as formas. Montaram uma campanha surda, junto dos media, afirmando que era eu a responsável máxima da rede e foram eles que ameaçaram a sua mãe, com o objectivo de desgastarem os nervos de Olímpio, para o terem sempre na mão. Havia realmente uma mulher à cabeça dessa organização repugnante, mas não era eu... chamava-se Lucy Pet e ansiava com ganância usurpar o meu lugar junto de Olímpio. Como vê, não era só a sua mãe a disputar-me o marido. Mas enquanto Kora Tai trazia um filho dele na barriga, Lucy Pet ameaçava divulgar o envolvimento de Olímpio na lavagem do dinheiro dos crimes, caso ele não aceitasse as condições dela. O meu marido tornou-se uma marioneta de Lucy Pet e do seu bando de abutres, porque a última coisa que Olímpio desejava era ver-se na cadeia com a carreira arruinada. Foi conivente com eles e deixou-me sozinha a responder nos tribunais sobre delitos que eu não tinha praticado. Consegui ser ilibada, graças ao apoio de amigos como Franz e Ange Roi, mas não convinha a um homem presidenciável continuar a ter por esposa alguém a contas com a justiça num passado recente. (Pausa. Visivelmente abalada, tem dificuldade em prosseguir. FRANZ toma o fio do discurso.)

FRANZ: Já nessa data eu era o médico pessoal de Olímpio e de Salira. Olímpio abriu-se um dia comigo; ele receava pela vida da mulher, caso Lucy levasse por diante o seu intento tresloucado. Lucy Pet maquinara um plano diabólico sem o consentimento de Olímpio; ele mostrara-se cobarde em relação a Salira, mas era incapaz de ser cúmplice no assassinato da própria esposa. A vontade absoluta em tornar-se a primeira dama e controlar um presidente corrupto levou-a a pôr em prática um esquema inacreditável. Numa das clínicas geridas pela sua organização, Lucy fez aquilo a que Salira se viria obrigada a submeter no futuro para continuar viva; um cirurgião plástico de Blue Moon transformou Lucy Pet no invólucro físico idêntico a Salira Fétova. A partir daí tudo era simples: com o auxílio do seu gang armado, tratava-se de matar Salira Fetóva e ocupar o seu lugar junto de Olímpio.

SALIRA/LUCY: Sem o auxílio de Franz, eu hoje não estaria aqui convosco. Depois de ouvir a confissão que Olímpio lhe fez sobre o plano de Lucy Pet, Franz preveniu-me do perigo que eu corria. Juntos descobrimos qual a clínica em que Lucy convalescia, depois de fotocopiar o meu corpo no seu.

ANGE ROI : (Intrépido.) Aí entro eu em acção! Os hospitais melhor equipados em robótica são fornecidos pelo nosso Instituto e essa clínica não constituía excepção. Enviámos alguns exemplares de robôs enfermeiros, destinados à unidade médica onde Lucy cicatrizava o disfarce. Programados que estavam para a missão, não foi difícil a um deles espetar um bisturi fatal no coração de Lucy Pet. Iludindo a segurança, os robôs descarregaram o cadáver num local público, acompanhado da documentação pessoal de Salira Fetóva. Pouco depois, Olímpio recebia a notícia de que sua mulher fora assassinada em Blue Moon, após um presumível rapto, durante o qual teria sido barbaramente torturada.

FRANZ: É claro que pedimos de imediato o corpo de Lucy Pet, e eu próprio redigi a autópsia, pois qualquer médico saberia distinguir as diferenças entre feridas de tortura e as marcas de uma operação plástica.

ANGE ROI: Fui o membro mais activo nesta missão de morte, mas não sinto remorsos. Ao preparar o fim de Lucy Pet, agi como um anjo da justiça, pois das memórias que guardo da infância não me sairá jamais a imagem da minha mãe agonizando numa poça de sangue, em resultado dessa máfia lhe ter arrancado o feto de um irmão que não nasceu.

SALIRA/LUCY: Entretanto, eu tive de desaparecer para não estragar a nossa defesa ofensiva. Voei para Luna Nova e, enquanto as mãos mágicas de um cirurgião me transmutavam no corpo mais jovem de Lucy Pet, o meu marido chorava amargurado a minha morte às mãos de criminosos dos quais se tinha tornado refém. Quando regressei na pele de Lucy Pet, desmantelei aos poucos a quadrilha, entregando os colaboradores às autoridades, à medida que ia tendo conhecimento deles, graças aos serviços do Instituto. Aos olhos de Olímpio, isto era a forma que eu encontrara de me penitenciar por ter causado a morte da mulher. Garanti-lhe pesarosa que deixara de ter mão nos meus cúmplices e que eles usaram o rapto de Salira para me pressionarem a desmascarar Olímpio. Como eu me recusasse a essa traição, Salira fora aniquilada. Para Olímpio, eu ia aparecendo como uma Lucy Pet cada vez menos megera, cada vez mais parecida com a sua saudosa Salira. Mas nunca lhe perdoei o ter-me escondido os planos homicidas de Lucy e por isso mantive-o até ao fim prisioneiro da minha máscara. Deixei-o acreditar que Lucy era eu, e que Salira Fetóva havia sido a vítima mortal da aliança que ele estabelecera com o mundo do crime.

NÁRIA: (Frieza algo céptica.) Esmagados com a vossa história interminável, nada podemos opinar, pois falta-nos o testemunho de Olímpio e, pelos vistos, dessa nefanda Lucy Pet de que você possui apenas as parecenças físicas... Mas se a Salira nunca perdoou ao meu pai, é bem plausível que quisesse sentar no lugar dele aquele clone domesticado. (Aponta paraOLÍMPIO Júnior.) Seria o desfecho supremo da sua vingança pessoal. (SALIRA/LUCYsente-se desfalecer e procura uma cadeira, na qual se senta agoniada.)

SALIRA/LUCY: Desculpem-me, isto são as tonturas comuns de uma grávida.

FRANZ: (Toma-lhe o pulso e limpa-lhe a testa com um lenço.) Não te enerves, que te faz mal a ti e á criança.

ANGE ROI: (Disfarçando mal a ira.) Razão tinha eu em não querer que viesses. Eu e o Franz resolvíamos o assunto com estas pessoas sem necessidade de vires p'ráqui contar a tua vidinha no estado em que te encontras.

OLÍMPIO Júnior: (Apercebe-se que algo de anormal se passa e tira os auscultadores.) Estás doente tia Lucy? Não disseste que estes senhores eram teus amigos?

SALIRA/LUCY: (Agastada.) São sim, querido, a tia está só um bocadinho enjoada. Volta lá para a tua música e para o teu brinquedo.

OLÍMPIO Júnior: Mas eu tenho vontade de fazer chichi. Um de vocês tem de ensinar-me onde fica a sanita.

SALIRA/LUCY: O tio Franz vai lá contigo. (Faz sinal a Franz.) E aproveita para te mostrar as vistas do arranha-céus. A Nária autoriza, não é verdade? (Nária manifesta o seu assentimento com um gesto simples de cabeça. FRANZ e OLÍMPIO Júnior saem juntos de cena.)

HÉLIO: (Melífluo. Faz sinal negativo a Nária, que parecia querer falar.) Para resolvermos isto, e para que não se canse tanto, diga-nos Salira: o que pretende de nós em concreto?

SALIRA/LUCY: Em primeiro lugar, quero que saibam que o projecto da clonagem foi da responsabilidade de Olímpio; não se trata de conspiração alguma.

NÁRIA: Mas se assim era, que motivos levaram o meu pai a acusar-vos?

ANGE ROI: Isso gostávamos nós de saber... Era da vontade do presidente que Olimpiozinho assumisse o cargo dele, mas o nosso clone é mentalmente uma criança. Só a sua máquina, drª, poderá cumprir o sonho do seu pai.

NÁRIA: Mas de que maneira? Se Olímpio morreu, já não é possível transferir a mente dele para o cérebro do clone.

ANGE ROI: Mas nós podemos introduzir no clone a mente de outra pessoa, que conheça a fundo Olímpio e possa continuar assim a obra dele.

NÁRIA: E quem será a pessoa disposta a sacrificar a identidade, para passar o resto da vida a habitar um corpo que não lhe pertence? (FRANZeOLÍMPIO Júniorentram em cena.)

FRANZ: Eu, drª Nária, estou disposto a fazê-lo. Ninguém melhor do que eu conhecia o Olímpio e julgo que a minha decisão o faria feliz. Eu sei que a drª precisa de fazer o rastreio do meu cérebro, antes da operação de transferência. Podemos começar já! (NÁRIAcoloca um aro cibernáutico na cabeça deFRANZe observa o rastreio num monitor de controle.)

NÁRIA: (Assustada, ao ver Olimpiozinho sem headphones, sentado no chão a escutar a conversa, afaga-lhe a cabeça.) Mas... e quanto a Olimpiozinho, o que fazemos nós com o conteúdo da sua cabecinha. É um ser humano com os mesmos direitos de qualquer um de nós. (Falando para ele.) Se formos fazer o que os teus tios querem, o teu pensamento fica destruído, nunca mais vês os teus brinquedos, nem ouves as tuas canções favoritas. O espírito do tio Franz tomará posse do teu corpo e tu desapareces para sempre. (Olimpio Júnior responde prontamente. )

OLÍMPIO Júnior: Não esteja ralada comigo, doutora. O tio Franz explicou-me tudo sobre a sua máquina de extracção das almas. Isto lembra-me um filme fabuloso que eu vi um dia destes. Fazemos uma troca que vai ser emocionante: ele fica com o meu corpo e eu fico com o dele. Ele é louro e até parece mais novo do que eu. Irei fazer sucesso entre as miúdas que tratam de mim no Instituto!

NÁRIA: Tens a certeza que é isso que queres? Olha que isto é bem diferente dos teus jogos virtuais que têm sempre um fim, como quando acordamos dos sonhos. (Puxa um lenço e limpa-lhe os olhos.) Tu estás a chorar, Olimpiozinho, mentiste-me, não é verdade? Estavas só a fazer-te valentão!

OLÍMPIO Júnior: (Voz embargada.) Não, não tem nada a ver, eu não me importo de trocar de corpo com o tio Franz; estou é muito triste pela causa que nos leva a experimentar a sua máquina. Eu não queria que o papá Olímpio tivesse morrido, sou ainda tão novinho para ficar órfão. Eu aprendi já muita coisa, mas ainda não sou capaz de ser presidente. A sua máquina não pode ressuscitar as pessoas mortas?

NÁRIA: Infelizmente não, Olimpiozinho; ela só trabalha com as vivas. (OLÍMPIO Júniorabraça NÁRIA, e esta corresponde ao seu abraço afectuoso.) Então, que é isso? Tens de te habituar à ideia de não sermos eternos.

OLÍMPIO Júnior: Estou só a despedir-me de si, Nária, com esta aparência do nosso pai. O tio Franz disse-me que somos irmãos. (NÁRIAcontém a custo a emoção e termina o abraço com OLÍMPIO Júnior.)

NÁRIA: (Pragmática, distribui-lhes duas pranchetas com documentos a assinar.) Quero avisar-vos de que há riscos a correr na dupla transferência. Mas se tudo correr como espero, quando vocês acordarem, Franz terá a mente juvenil de Olimpiozinho e, este, por sua vez, responderá pelo nome de Olímpio Areia. (FRANZeOLÍMPIO Júniordespedem-se deLUCY PET, deANGE ROIe deHÉLIO; que lhes desejam boa sorte, e seguem as instruções de NÁRIA, assinam as folhas, deitam-se cada um numa marquesa e cumprimentam-se mutuamente. Os capacetes que ambos colocam, depois de FRANZ ter tirado o aro cibernáutico, estão cobertos de múltiplos fios de ligação que os conectam com a máquina ao centro. As luzes de cena declinam, a máquina emitirá sons e luzes várias, como lhe compete, e NÁRIAsupervisiona a operação, sob o olhar atento deLUCYe deANGE ROI. HÉLIO aproxima-se do público e comenta os acontecimentos, ao modo teatral, isto é, sem nenhuma das outras personagens se dar conta do que ele diz.)

HÉLIO: Se julgam que o meu papel é secundário, estão muito enganados. A Nária faz agora a experiência com que sonha há vários anos, e bem pode agradecer-me. Ninguém o sabe, mas as informações que Olímpio recebeu antes de morrer foram enviadas por mim, de forma anónima. Lembram-se de Ange Roi ter referido o suicídio de um técnico do Instituto? Pois eu tive acesso ao diário desse homem em desespero. Nele é descrito o plano de Ange Roi e de Salira/Lucy para transformar o clone num andróide, enxertando-lhe um cérebro sintético. Mas Olímpio afeiçoara-se tanto ao seu filho gémeo, que não permitiria vê-lo estropiado. Eles não podiam nunca revelar-lhe o plano. Avisei o presidente e fiz justiça ao suicídio de um homem íntegro. A família Pet viu-se obrigada a encenar connosco este teatro, no qual não sabemos discernir a verdade da mentira. O certo é que eu e a Nária viémos a lucrar com este compromisso forçado. Por partilharmos segredos de estado, as nossas carreiras dispararam como foguetes cósmicos. [Serei a partir de hoje o director executivo da TvPhobos, o canal absoluto de LiberAres, e Nária já não precisa recear a falta de mecenas para as suas pesquisas, pois foi nomeada para presidir ao Instituto de Robótica e Inteligência Sintética, em substituição de Ange Roi, que estará agora totalmente ocupado com as tarefas políticas de assessoria ao novo Olímpio Areia. [Penso que o meu pai ficará orgulhoso de mim, desde que eu não entre em detalhes para explicar-lhe como obtive tanta promoção em tão pouco tempo de permanência no espaço marciano.] (Apercebe-se do termo da experiência de transferência.) Mas agora, venham daí saborear o sucesso desta experiência que a vossa época não conhece ainda. (Aproxima-se das marquesas. FRANZacorda e levanta-se em primeiro lugar, na identidade deOLIMPIOZINHO, correndo acriançadamente a pedir protecção a SALIRA/LUCY)

FRANZ/OLÍMPIO Júnior: Ai tia, tive muito medo. Parece que ia ser sugado por um buraco negro.

ANGE ROI: (Divertido.) Se calhar era eu a perseguir-te, no filme dos teus pesadelos!

NÁRIA: Essas sensações de medo são normais.

OLÍMPIO/FRANZ: (Levanta-se lentamente da mesa de operações e tira o capacete.) O vosso presidente acaba de acordar da sesta habitual; é favor os meus queridos assessores lembrarem-me a agenda para hoje, porque me parece ter bebido demais ao almoço. (Todos riem e acorrem a felicitá-lo. SALIRA/LUCY elogia NÁRIA.)

SALIRA/LUCY: (Exultante.) Em nome de todos o digo, amiga Nária, LiberAres está-lhe infinitamente grata. Este é um momento histórico que, por razões óbvias, não poderá tornar-se do conhecimento público, mas isso não altera nem um pouco o mérito das suas pesquisas.

NÁRIA: Limitei-me a fazer uso da tecnologia que a minha equipa desenvolveu.

HÉLIO: (Para OLÍMPIO/FRANZ, em tom brincalhão.) Quero lembrar o senhor presidente que depois de amanhã terá de comparecer nos estúdios para a gravação do meu programa Quem é Quem, de que vossa excelência é o convidado de honra. Aconselho-o a estudar a sua biografia em pormenor, para evitar alguma gaffe. A oposição está atenta aos deslizes, e poderia ver neles um sintoma de senilidade precoce! (Todos riem, enquanto FRANZ/OLIMPIOZINHO regressa para o seu cantinho, colocando os auscultadores e reatando a montagem do seu kit. Entra em cena GIRALDA-SEM -AMOR, para espanto de todos.)

GIRALDA-SEM-AMOR: Atão estão aqui todos conspirando! E ê à vossa procura.

NÁRIA: Como é que tu entraste no prédio, com os acessos bloqueados?

GIRALDA: Ora drª. Está-se esquecendo que ê sou robô manhoso. Basta ê pôr os mês dedos nos sistemas e eles abrem-se logo todos.

SALIRA/LUCY: Devíamos recrutar a Giralda para o serviço de informações do Ange Roi...

HÉLIO: O que vieste cá fazer, Giralda? Já acabaste as limpezas?

GIRALDA: Nem me diga nada que ê estou fula consigo! Vossemecê censurou o número musicali! Mas ê cantei e encantei. Nem me pergunta se o público gostou de me ouviri. Só me fala é das limpezas! Na dá valor ao talento. Ê na fui fêta pra lavar o chão, na senhori. E você só quer é rebaixar-me. E mesmo que ê nunca junte o dinhero suficiente prá minha operação, hei-de seguir a carrera artística. Tomei a decisão e vim-me despediri. Arranjem outra pra vos dar serventia!

NÁRIA: E vais viver de quê, Giralda?

GIRALDA: Atrás na vou voltari. Tive um convite pra fazer um show de terra em terra e vou arranjar a cartera de cantora. Por isso na posso continuar limpando casas. O que ê sou é uma artista!

HÉLIO: Parabéns Giralda! LiberAres deu-te uma vida nova!

FRANZ/OLÍMPIO Júnior: (Aproxima-se de GIRALDA, insinuante.) Tu és uma garota tão gira. Eu chamo-me Franz Júnior. Não estás a precisar de um agente artístico? (Mexe-lhe nos cabelos e ela recua.)

GIRALDA: Tenha tento nos sês modos que você é casado com a minha amiga Lucy!

FRANZ/OLÍMPIO Júnior: Não, Giralda! Esse é o meu tio. Eu sou muito parecido com ele. Toda a gente nos confunde.

GIRALDA: Ai que alívio! Pensei que o senhor me estava assediando.

FRANZ/OLÍMPIO Júnior: Senhor não. Chama-me Júnior. Não queres dar uma volta para curtirmos juntos?

SALIRA/LUCY: Ó Júnior, mas que falta de tacto! Não se começa a abordar assim uma mulher.

GIRALDA: (Para LUCY) O sobrinho é um moço despachado, D. Lucy, ê estou gostando dele. Vai logo directo ao assunto. Mas o problema é na ter assunto para a conversa que ele queri. (Todos riem, a excepção de JÚNIORque fica intrigado.)

FRANZ/OLÍMPIO Júnior: Não sei onde está a piada.

GIRALDA: Mas eles estã sabendo, Júnior. Ê sou muito imperfêta. (Chora eJÚNIORconsola-a com um abraço.)

FRANZ/OLÍMPIO Júnior: Não te humilhes, Giralda! Eu não tenho vergonha de namorar com uma andróide. (Para os outros.) Vocês ainda hão-de engolir esse riso. Aposto em como ela se fará famosa, num desses concursos de caça aos talentos, e eu quero estar junto dela nesse dia!

SALIRA/LUCY: Tens razão, Júnior. O tio Ange Roi pode ajudar a Giralda a tornar-se na mulher dos teus sonhos. Não há leis que proíbam o vosso amor.