SEMAS

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO

 
EPIFANIA


pratiquemos o mundo da claridade,
a carne do mistério que um archote acenda

a aurora indica à sentinela o branco do dia
o júbilo de existir e responder à inclinação da luz

quem maltrata um corpo mais claramente o evidencia
o limite da dor é de uma evidência intensa

a realidade não é para ser vista
é o háptico da palavra que traz os magos não o som

a técnica suprimiu o humano temor da obscuridade
não a fonte do desejo que não seca

o texto é o lugar vivo onde pode haver
uma troca de um mundo humano

a inquietude inscreve-se em nós como um palimpsesto
um vidro espetado ao sunambulismo civil que nos infecta

abramos a porta da hospitalidade
o corpo é a soleira a que a divina surpresa chega

dai ao peregrino ferido que virá sem horas
a mirra do silêncio e a fé no nunca visto

o verbo essencial não vem à palavra
que desertou da voz e da vigília

pratiquemos a sensualidade da escuta
um deus vem a caminho da nossa humanidade