GALERIA DE POEMAS / ÂNGULO
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
17-08-2003 www.triplov.com

aaa

ÂNGULO

Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar oco de certezas mortas? –
Fingidas, afinal, todas as portas
Que no dique julguei ter construído...

Barcaças dos meus ímpetos tigrados,
Que oceano vos dormiram de Segredo?
Partiste-vos, transportes encantados,
De embate, em alma ao roxo, a que rochedo?...

- Ó nau de festa, ó ruiva de aventura
Onde, em champanhe, a minha ânsia ia,
Quebraste-vos também ou, por ventura,
Fundeaste a Ouro em portos de alquimia?...
.......................................................................
.......................................................................

Chegaram à baía os galeões
Com as sete Princesas que morreram.
Regatas de luar não se correram...
As bandeiras velaram-se, orações...

Detive-me na ponte, debruçado,
Mas a ponte era falsa - e derradeira.
Segui no cais. O cais era abaulado,
Cais fingido sem mar à sua beira...

Por sobre o que Eu não sou há grandes pontes
Que um Outro, só metade, quer passar
Em miragens de falsos horizontes -
Um outro que eu não posso acorrentar...

(Barcelona, Setembro de 1914)