Meu caro Amigo

Que passe a semana santa em Coimbra, e depois vá a Aveiro, a Arouca e a Telhadela, nisso convenho; mas que guarde o ver-me para o seu regresso a Lisboa, é o mesmo que dizer-me desta vez não nos vemos. O Rufino podemos dizer felizmente que está bom! O nosso Paulino, já se sabe, foi para o Porto; ele continua com os insectos, e deixou encomendados mais 2 sacos de látex. Recebeu outra carta do espanhol lente em Madrid que lhe agradece alguns Coleópteros, lamentando o terem chegado alguns estragados, por irem mal pregados com alfinetes pouco largos que significa em português pequenos, segundo me dizem. Pede-lhe, entre outros, mais exemplares duma espécie nova do género Ásida (1) que não é novo, e também o permitir-lhe que seja chamada Asida Oliveira. O Paulino tem apenas 2 exemplares, e não encontra mais debaixo das pedras em que achou os outros no Inverno; talvez por andarem sofrendo agora com o calor. O meu amigo deve ter esta espécie dada pelo Alves de Sá. Pouco faltará para ter 2 centímetros de comprimento e a cor dos élitros é cor de terra.

O Paulino procurando esta achou outras que ainda não tinha. O espanhol admira-se de se conservarem os insectos do Paulino espetados com os alfinetes curtos, chegados ao papel, parece que os quadros devem ser altos e os insectos devem ficar no ar, e assim parece ser conveniente.

Tenho uns ninhos e ovos do Parus cristatus (2), e dão-me esperanças de obter os outros peixes que não temos. Passou o meu defluxo, porém o que me tem apoquentado desde o dia 3 é uma borbulha em um dedo da mão esquerda da qual ainda hoje sofro bastante apesar de ter deitado esta noite grande porção de matéria. Tem sido preciso renovar-lhe as papas a todos os instantes e por isso não tenho saído de casa.

É pena que a 3ª sala do Museu não se possa já acabar, no entanto bom foi chegar a esse ponto. Vejo que o nosso Museu progride apesar dos invejosos e do indiferentismo quase geral, e há-de progredir por alguns anos, mas a queda é certa, o indiferentismo há-de matá-lo; quantos anos terá de vida? Gostava de ir a Lisboa daqui a cem anos tornar a ver o nosso Museu. Quem sabe? Talvez que as salas para esse tempo tenham outro mister. Museu temos nós para a nossa vida, meu amigo; e se os portugueses são indiferentes aos seus trabalhos, há estrangeiros mais civilizados que os sabem avaliar. É a consolação que lhe resta. Não sei por que os mamíferos da África ocidental sejam tão difíceis de classificar se mais até neles há espécies novas? parece por isto que a África é um país ainda agora descoberto. Haverá lá o Arv. Rosianus (3)? Não tenho por ora exemplar algum do B. igneus (4) nem do Buffo viridis (5). Esta espécie (viridis) não a há aqui, porque mesmo nos paúis do campo, Geria, etc., não me dão dela notícia. Uns vizinhos e conhecidos meus quiseram mandar-me um sapo pintando-lhe o ventre de tinta vermelha. Estavam servidos; bastava ver-lhe as inchações dos lados (6) do pescoço para nele conhecer o B. vulgaris, ou as esporas pretas e olhos verdes para o reconhecer como Pelobatus (7). Venha ver-me. Dou-lhe 4 ratos de água; 2 cultrypes (8) novitos, uma Rinequis scalaris (9), um ninho do P. cristatus (10), 2 sem ovos porque lá os tem sem os ninhos, um rato adulto Mus rattus, alguns musaranhos, e dou-lhe também um abraço. Cá agora o espero...

Bicheiro



(1) Asida.

(2) Aves. Chapim-de-poupa.

(3) Arvicola Rozianus - rato de Rosa.

(4) Referência permanente a estes sapos que ainda ninguém viu, mas hão-de aparecer, mais tarde ou mais cedo.

(5) Para a Península Ibérica, Bufo viridis só existe nas Baleares - Maiorca, Menorca e Ibiza (Barbadillo Escriva, 1987).

(6) A expressão "dos lados" está cortada e em vez dela escreve-se algo ilegível que também parece "dos lados".

(7) Rosa escreve sempre "Pelobatus" em vez de Pelobates.

(8) Pelobates cultripes - sapo de unha negra.

(9) Rinechis scalaris, a cobra chamada "Riscadinha".

(10) Parus cristatus - chapim de poupa, também chamado Cedo vem (em Themido).