PENSANDO EM TI

Nos livros que eu tento ler, em cada frase tu estás... João amava Maria em maio, o santo mês dos namorados. E, por isto, era bem apaixonado. Se conheceram no culto do dia de ano, justo na palavra do pastor. Única noite em que Maria foi, e depositou o óbolo no envelope que lhe entregou o obreiro. E, assim, cumpridor, sonhador e ordeiro, quis mais um anjo, que fosse lambuzar de mel e xampu as paredes do santo lar. E mexer nos pés dos filhos dela e dos filhos dele quando estivessem dormindo. Sendo patente que vinham de casamentos arruinados. Ele, pela incompatibilidade de gênios, o que é muito natural hoje em dia; ela pela viuvez, pois o marido engoliu o caco de vidro pregado na boca da garrafa de sodinha. Um anjo solto a explorar tudo, como faziam os anjos de antigamente, época em que o catolicismo estava com tudo. E viveriam felizes, regando a horta na manhã, se molhando à tarde no esguicho do quintal, e ouvindo o Balança, mas não Cai, na noite de chuva. Mas.

Mas aí Maria reclamou que não era bem assim, pois estava cheia de problemas psicológicos. Que a mãe queria parte no negócio do mercadinho, sendo certo que ia ajudar no balcão, pois a filha detestava o modo de ser da vizinhança, quero dizer, da freguesia. E, além de tudo, a sogra Leocádia era mineira, e só escutava em silêncio e agia devagar, e gostava de cutucar a onça com vara curta, para depois se fingir de vítima e coitadinha. A água silenciosa é a mais perigosa! – sentenciou o pastor, no culto aos perigos da vida. Dizia a sogra que a vida é um vale de lágrimas, e filha minha não nasceu pra ficar sem estudo e, um dia, vai ser uma poliglota. Que a amiga da escola The Way disse que ela era tonta se fosse direto aceitando tudo, principalmente ter mais um filho. Logo agora, bonita, ia ficar bem desgrenhada na plástica. É, porco gordo nunca está contente! Vaidosa é que ela era. Vaidosa, metida a bacana, e sem princípios morais, e ninguém percebeu no começo. E outra a amiga da dança flamenca não via com bons olhos aquele casamento, inquirindo se Maria não estava no resguardo dos três anos de fechamento e luto. Se fosse só isso, ele até compreendia e até assinava embaixo. Mas não. Me deixa ao menos, por favor, pensar em Deus, ele implorou.

Assim sendo, e não havendo jeito, ele foi se esquentando por dentro, e esfriando na idéia do amado anjo, como só podia ser claro e patente. E, em outubro, João foi desgostando do costume de Maria contar os problemas conjugais pra auxiliar da cozinha, digo, a doméstica – as duas mudando de assunto ao vê-lo, disfarçando e conversando sobre o tempo. E ficar lixando a unha na hora do Jornal Nacional e do Fantástico, e só andar de táxi pra cima e pra baixo, com minissaia, essas calças pra baixo do umbigo e a blusinha tomara que caia. E ouvir FM em alto volume, sendo certo que essa rádio só toca rock e country. E isto só pode deixar a gente ruim dos nervos, como é lógico, evidente e todo mundo sabe. E, demais a mais, Maria era a favor de bagunças de greve e aborto. Uma socialista, na certa, o João foi botar em casa! É isso mesmo, pois diabo faz a panela, mas não a tampa. João não é nada disso, muito pelo contrário. Igual que a freguesa do mercadinho, tão recatada e de bom coração, delicados olhos negros que espiavam entre cortinas, ao som da página musical Pensando em Ti, de Nélson Gonçalves. Como se ainda fosse pouco, Éster, prendada, embora morena calliente e de cabelos longos, era cristã, como nós, o João e eu. O resto da história não conto. É de foro íntimo, como ensina o que é direito, e deve estar mencionado em muitos versículos do santo livro. Apenas acrescentaria que pássaro na gaiola, quando não canta de amor, canta de raiva. Minha boca é um túmulo e, afinal, quem tem sarna que se coce! Não meto a colher na vida alheia. Mas porém deixo a grande mensagem dessas linhas inacabadas, garatujas em pessoa: cada qual com seu igual, e seja o que Deus quiser. Obrigado.