Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

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PARTE I - UMA FESTA PUNK
(Revista TriploV, nº 2, Novembro de 2009)

 

3. De-su-ma-ni-za-ção!

Serenei o Cerbero da camisa cor de salmão e rosto marcado pelas bexigas com um aceno de cabeça solidário. A maré de estrépito subia alto, acompanhada por ruídos lancinantes do microfone, agudos capazes de estilhaçar os tímpanos. A batida grossa de uma percussão frenética fazia-me vibrar o diafragma. E os putos a balançarem-se para um lado e para outro, dando patadas no chão sem deixarem cair a cerveja dos copos. Um terramoto não me teria abalado mais o sistema nervoso, por instantes pairei no espaço, como um balão cheio de agressões sonoras. Que diabo!, pensei. Isto é pior que andar na guerra debaixo de fogo! Na minha perturbação, um risco de luz acendeu-se no espírito, desenlace que a fantasia arrisca quando periclita o raciocínio: o som pode matar? Então vi num flash da memória a imagem da vítima, tombada ao pé da aparelhagem de alta fidelidade, de auscultadores na cabeça. Os olhos como os dos animais, olhando a direito para nós, sem nos verem na nossa transparência. Tolice!, censurei-me. Um polícia não pode largar as rédeas ao cavalo da imaginação.

Ao fundo da sala, um tipo prepara-se para actuar. Contorce-se num pequeno palco, de microfone quase entalado na garganta. Custou juntar as sílabas para perceber a letra do que se reduzia a um  “De-su-ma-ni-za-ção! De-su-ma-ni-zação! De-su-ma-ni-za-ção!” Outro, colado à guitarra, tritura apaixonadamente as cordas e a pastilha elástica, enquanto o baterista oscila perigosarnente a cabeça de um lado para o outro, cornudo pêndulo em transe. As T-shirts às postas, sobre jeans apertados até à obscenidade, descoloridos no azul por manchas de lixívia, guardam restos da designação do grupo: Crise Total. Exactamente a minha situação, reconstituo, juntando os caracteres ao puzzle da vida.

Garotos sebentos, de orelhas profusamente ornadas de penduricalhos, a cabeça rapada a máquina zero com alta crista vermelha de galo, abanavam-se arritmicamente, numa descarga emocional sem visível objetivo. Descarregavam as baterias, era tudo. Pudesse eu arrear também a carga, a dor no peito, os olhos sem me verem de uma vítima que teimava em me aparecer como a minha mulher... Que quer isto dizer? A minha mulher foi uma vítima? Xandra não será o nome da pintora? Nem os nomes lhes consigo dizer... Metes o pé na poça mesmo em pensamento, Eduardo... E-du-ar-do, E-du-ar-do... Eduardo sou eu, ou não sou?

Revista de Artes, Religiões e Ciências
Nº 02 | Novembro de 2009

MARIA ESTELA GUEDES (Britiande, Portugal, 1947)
Escritora, editora, agente cultural. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro (Lisboa, Moraes Editores); Ernesto de Sousa - Itinerário dos itinerários (Lisboa, ed. Museu Nacional de Arte Antiga); Tríptico a Solo (São Paulo, Editora Escrituras); Chão de Papel (Lisboa, Apenas Livros); Geisers (Bembibre, ed. Incomunidade). Obras levadas à cena: O Lagarto do Âmbar (ACARTE); A Boba (teatro Experimental de Cascais).
Currículo em:  http://www.triplov.com/estela_guedes/curriculo/index.html
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