Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

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PARTE I - UMA FESTA PUNK
(Revista TriploV, nº 2, Novembro de 2009)

2. No Teatro da Revolução

Ainda umas boas dezenas de metros me separavam do casarão cor-de-rosa, designação familiar do Teatro da Revolução, já o ruído vinha até mim, numa vibração surda. Preia-mar de Ramones, vozes afogadas no estrépito das ondas. Os versinhos delicados que diziam ser o amor um oceano cheio de conflitos e de mágoa a boiarem noutra música bem mais encapelada. Fiquei triste, agarrado àquela flor sonora, sem saber porquê. Juntava, no meu espírito, o luto pela mulher perdida ao rosto pálido da morta. As saudades que eu tinha de casa, do calor do roupão felpudo em que me embrulhava para ver televisão, o perfume do café pela manhã a escapar da cozinha para o corredor, as saudades, vá, confesso!, as saudades que sinto da minha mulher... O novelo da saudade a magoar-me no peito feito uma doença cardíaca, descobrir que o pensamento fere tanto como um murro, e nisto chegava à porta, o braço suspenso no ar, ia premir o botão metálico de uma campainha.

A porta entreabre-se e bate-me na cara uma chapada de rock duro, violento. Um rapaz de camisa cor de salmão, o rosto marcado por fundas cicatrizes de borbulhas, mostra-se pouco inclinado a deixar-me entrar. Apesar de andar à paisana, o faro e a experiência descobrem-lhe em mim um provável agente de discórdia.

Impacientava-me com o cansaço, o barulho tornava inúteis as minhas promessas de vir em missão pacífica. Dei umas pancadinhas amigáveis no braço nu que me barrava a passagem, gritei, o mais perto possível da sua orelha: 

— Estou sozinho, pá! Só quero ver se encontro por aqui um gajo que me pode dar umas informações — e mostrei-lhe o crachá, discretamente.

O moço fez um trejeito de desagrado, mas enfim:

— Está bem, entre. Mas isto está a correr bem, não me dê cabo do espectáculo!

— Eu pago o bilhete e tudo, pá, fica sossegado!

De relance apercebi-me da espécie de movimento que havia na sala e num gesto automático tirei a gravata para a meter ao bolso. Sempre dava menos nas vistas.

— Quanto ? — perguntei, realmente sem vontade de introduzir a desordem da ordem na ordeira desordem daquele tremendo cagaçal. O chão pejado de beatas, húmido de cerveja entornada, traçado de restos de arame. Dando a volta a um monte de papéis de jornal, alguns garotos entretinham-se a lançar-lhe fogo.

— Porra... — chateou-se o rapaz da camisa cor de salmão, deixando-me plantado à entrada, enquanto afastava os putos para o lado e apagava o fogo com os pés. Voltou, missão cumprida:

— Duzentos paus sem direito a bebidas — respondeu, sem desatinar no meio da confusão, passando-me para as mãos uma carta pornográfica, equivalente ao bilhete de ingresso. —  Veja lá, não me dê cabo da festa! Isto está a correr normalmente!

Estava tudo a correr normalmente, só eu me sentia perdido, sem a prática do lugar. Os versinhos de caramelo de John Denver a vogarem em bolhas sobre a música avinagrada dos Ramones, que incitava os putos a darem sapatadas metálicas no chão.

Passou um casal de braço dado à nossa frente, ela muito pintada, de óculos escuros e meias altas às riscas, sob uma suspeita de saia de couro, ele de guarda-chuva encarnado, cabeleira verde a abanar e botas da tropa.

 

Revista de Artes, Religiões e Ciências
Nº 02 | Novembro de 2009

MARIA ESTELA GUEDES (Britiande, Portugal, 1947)
Escritora, editora, agente cultural. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro (Lisboa, Moraes Editores); Ernesto de Sousa - Itinerário dos itinerários (Lisboa, ed. Museu Nacional de Arte Antiga); Tríptico a Solo (São Paulo, Editora Escrituras); Chão de Papel (Lisboa, Apenas Livros); Geisers (Bembibre, ed. Incomunidade). Obras levadas à cena: O Lagarto do Âmbar (ACARTE); A Boba (teatro Experimental de Cascais).
Currículo em:  http://www.triplov.com/estela_guedes/curriculo/index.html
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