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ROBERTO PIVA
OBRAS REUNIDAS

Organização de Alcir Pécora
Volume I: Um estrangeiro na legião
São Paulo SP, Editora Globo, 2005

ROBERTO PIVA NA LEGIÃO
Maria Estela Guedes

Neste primeiro volume da obra reunida de Roberto Piva, além da nota inicial do organizador da colecção, Alcir Pécora, temos ainda, em matéria de acompanhamento ensaístico, um texto de Claudio Willer - Uma introdução à leitura de Roberto Piva - que nos encaminha os passos para vários tópicos, entre eles um que de resto abre o volume, na epígrafe de Sarane Alexandrian. Talvez esperássemos uma citação da sua obra sobre o Surrealismo, uma vez que Piva, como qualquer outro poeta contemporâneo, não podia ficar à margem de um movimento que lhe estava no sangue, daí que na antologia de textos sobre o Surrealismo, no TriploV, seja mencionado inúmeras vezes, e objecto de dois trabalhos de fôlego: um ensaio de Claudio Willer (1) e uma entrevista conduzida por Fabio Weintraub, autor que fornece uma bibliografia para fecho do primeiro volume das obras de Piva, "Um estrangeiro na legião".

Mas não: o organizador da presente edição das obras reunidas de Roberto Piva, Alcir Pécora, tal como escolheu para o primeiro volume o título "Um estrangeiro na legião" (a Legião Estrangeira é apenas uma referência na memória para melhor apreensão do que implica um anjo na legião de demónios ou vice-versa), também não foi buscar epígrafes à obra de Sarane sobre o surrealismo, sim sobre religião: "História da filosofia oculta".

Para voltar ao pensamento interrompido, sobre os tópicos escolhidos por Claudio Willer, é claro que de um especialista em temas esotéricos na literatura, como ele é, só podíamos esperar o filão do ocultismo e da magia, áreas do ser e do viver bem próprias dos surrealistas.

O poeta não escolhe a poesia para nela desenvolver ideias oriundas do esoterismo, a poesia é uma fonte vertente desse esoterismo. O poeta não transmite esoterismo à poesia, ele recebe conhecimento da palavra, quando escreve. Ora Roberto Piva parece um desses espíritos mediúnicos que não oferecem resistência ao discurso do estrangeiro - o estranho - quando ele quebra o domínio do normativo, da normalidade desinteressante. E por isso devolve à letra o que da letra recebeu, num clima de discurso que os autores que o dão a ler, neste volume, Alcir Pécora e Claudio Willer, sugerem no termo "alucinação". Eis uma palavra com luz dentro, a dar a mão a essa outra linha de força, declarada por Alcir Pécora, segundo a qual Piva era um poeta iniciado. Iniciado é aquele que recebeu a Luz, por isso a sua alucinação pertence ao registo do sagrado. E é nesse registo alucinado que se verifica a fúria destruidora do poeta, ou a Fúria, apenas, enquanto manifesto dionisíaco - ou da legião...

É magnífico o livro, quer pela beleza de objecto bibliográfico, quer pela dos poemas, que elevam Roberto Piva à altura dos grandes poetas, modernistas, neste caso, para eu sair de cena com um dos mais conhecidos, português, poeta d'Orpheu como Almada Negreiros e Mário de Sá-Carneiro, esse Álvaro de Campos que Roberto Piva encarna para assinar a sua "Ode a Fernando Pessoa" - "mas é como Campos que vou saudar-te", escreve ele, logo no início da "Ode". Campos, o frenético engenheiro, o poeta das máquinas e paisagens urbanas que Piva transfere para uma São Paulo paranóica. Piva encarna Álvaro de Campos num acto absolutamente estrangeiro à ideia de plágio, sim acto teatral, orgíaco, de ser possuído por essa outra Fúria, Demónio ou "Mago Vermelho", como o considera José Manuel Anes - Fernando Pessoa, amigo, irmão, de Aleister Crowley, que a si mesmo se intitulava a Besta 666.

Fora da legião das teatrais Fúrias, ou da "orgia insaciável e insaciada de todos os propósitos-Sombra", como escreve Piva na "Ode a Fernando Pessoa", não ficam os bastidores da prisão nem do manicómio, embora, casualmente, lá possam estar. Afinal tais estabelecimentos constituem a fronteira da Poesia. Mas não, fora do espaço sagrado em que as Bacantes gritam Evoé!, o que costuma ficar são Ofélias, a timidez natural de tantos artistas, anjos, a ternura quase criancil com que o poeta brasileiro trata o português: "Tudo dói na tua alma, Nando"...

>>>>>>>>>>>>>>>>Ode a Fernando Pessoa

(1) POETA EM SÃO PAULO: PARANÓIA DE ROBERTO PIVA
Em http://triplov.com/surreal/piva_claudio.html

(2) ENTREVISTA COM O ESCRITOR ROBERTO PIVA
http://triplov.com/surreal/piva.html