JOÃO VÁRIO....

CURRÍCULO DO PROF. JOÃO MANUEL VARELA
Compilação de Luís Serrano

A. CURRÍCULO CIENTÍFICO

1. João Manuel Varela nasceu na cidade de Mindelo (S. Vicente – Cabo Verde) a 07 de Junho de 1937.

Iniciou os seus estudos de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1956 tendo concluído o curso em 1963 na Faculdade de Medicina de Lisboa. Em 1965 defenderia uma tese de investigação intitulada "A telencefalização e o sistema talâmico de projecção difusa", tese essa que obteve a nota de vinte valores.

Durante a preparação da tese de licenciatura, frequenta o Laboratório de Histologia da Faculdade (Prof. Xavier Morato) e inicia-se em Neuropatologia no Centro Egas Moniz do Instituto de Neurologia da Universidade de Lisboa. Esta formação em Neuropatologia continua após a defesa da tese e, em Março desse ano, o Dr. Lobo Antunes apresenta com ele, a uma reunião da Sociedade Portuguesa de Neurologia, uma comunicação intitulada "Encefalite necrosante subaguda – o primeiro caso português (um estudo anatomoclínico)".

 

2. Actividade Científica

De Julho de 1965 a Dezembro de 1967 é Chargé de Recherches do Fundo Nacional de Investigação Fundamental Colectiva (Programa Tálamo) no Laboratório de Neuropatologia (Dr.Ludo van Bogaert) do Instituto Bunge (Antuérpia) e no Laboratório de Neuroanatomia, Loventjoel, Departamento de Psiquiatria, Universidade de Lovaina (Prof. A. Dewulf). Ao longo desse período fez curtas estadias:

a)     de três semanas na Universidade de Oslo, Instituto de Neuroanatomia do Prof. Alf Brodal abordando a neuroanatomia da Formação Reticular;

b)      de seis semanas no Laboratório de Neuropatologia do National Hospital, Londres (Prof. W. Blackwood) para estudar a neuropatologia das afecções vasculares;

c)      durante seis meses trabalha como investigador livre na Universidade de Bruxelas iniciando assim, duas vezes por semana, uma preparação em microscopia electrónica no Instituto de Anatomia Patológica. 

Durante uma reunião da Sociedade Belgo-Italiana de Neuropatologia apresentou um síndroma anatomoclínico que passou a ser conhecido como Síndroma de Varela, síndroma a que chamou dishomeostasia de neuro eixo consistindo essencialmente em perturbação do sistema reticular que se manifestava por alterações da vigilância da atenção traduzindo uma atrofia sistematizada global do sistema reticular que era assim descrita pela primeira vez (1967). 

De Janeiro de 1968 a Setembro de 1969 levou a cabo pesquisas sobre a ultraestrutura das membranas sinápticas e a histoquímica ultraestrutural da acetilcolinesterase dessas membranas no Laboratório de Histologia Normal e Patológica do Sistema Nervoso (INSERM, Paris, Dr. Jean Gruner). Durante a sua permanência em Paris estudou também no Laboratório de Enzimologia do CNRS, (Gif-sur-Yvette, Dr. Cohen), a bioquímica dos isoenzimas da acetilcolinesterase, seguiu cursos de Jacques Monod e François Jacob no Colégio de França (1968) e fez um curto estágio (duas semanas) de microscopia electrónica de alta resolução e difracção de pequenos ângulos em Berlim (Siemens). 

De 1969 a 1970, de regresso ao Instituto Bunge (Antuérpia), continua as suas investigações sobre a patologia da Formação Reticular do Cérebro. 

De Dezembro de 1970 a Dezembro de 1974, retomou no Instituto do Cérebro de Amsterdão e na Universidade de Antuérpia os estudos, começados em Paris, sobre a transmissão sináptica, especialmente na sinapse colinérgica (ultraestrutura, histoquímica e enzimologia). 

Em 1975/1977 tentou abordar alguns aspectos desses problemas de neurobiologia molecular usando culturas de células nervosas normais e células gliais tumorais, cérebros de embriões de rato e de galinha e técnicas de criofractura (freeze-etching) no Centro de Neuroquímica, Instituto de Química Biológica da Faculdade de Medicina da Universidade de Estrasburgo (Prof. Paul Mandel). 

Em 1977 e 1978 discute com os Governos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde o projecto da criação duma Universidade (composta de seis Faculdades) para as duas Repúblicas, que contavam vir a constituir uma União Política (estudo publicado na revista África, nº 1, Lisboa, 1978). 

Trabalha em Luanda (1978-1980), primeiro na Faculdade de Medicina, onde ensina Biologia Celular e Neurofisiologia e a seguir no Hospital do Prenda, onde dá consultas de Neurologia. Regressa a Antuérpia, onde obtém em 1981 um diploma de especialização em Micologia Médica e Veterinária (Instituto de Medicina Tropical) com distinção. E até 1982 estuda a epidemiologia de micoses cerebrais (Instituto de Medicina Tropical) e a biologia do Cryptococcus neoformans (Laboratórios de Microscopia Electrónica, Histoquímica e Cultura da Célula Nervosa, Fundação Born-Bunge, UIA, Universidade de Antuérpia). 

De Maio de 1982 a Dezembro de 1982 procede a investigações no domínio da Medicina Tropical no Lesoto. (Em verdade, além do seu trabalho laboratorial em biologia celular, tem-se interessado por alguns problemas de Saúde Pública em África; assim, tem vindo a investigar desde 1977 a contribuição da Medicina Tradicional Africana no tratamento de doenças mentais e psicossomáticas e certas questões teóricas de Antropologia Médica. Nesse sentido, realizou pesquisas na Guiné-Bissau, Gana, Camarões e, especialmente, no Lesoto e em Angola. Os dados recolhidos no Lesoto foram objecto da tese mencionada mais abaixo. E alguns deles foram apresentados em Conferências nas Universidades de Lesoto e Gand, em Antuérpia e Lubango.) 

De Janeiro de 1983 a Agosto de 1985 ocupou-se, na Faculdade de Medicina da Universidade de Antuérpia (UIA), da biologia do Cryptococcus neoformans, tentando obter no sistema celular simples, que é esta levedura patogénica, informação susceptível de ajudar a compreender certos aspectos da biologia do neurónio, da organização celular e formação de pattern no cérebro, temas em que tem vindo a reflectir há anos. Alguns resultados deste trabalho estiveram na base de uma Lição Pública que proferiu em 1985, quinze dias após a defesa de uma tese intitulada Traditional Medicine in Lesotho. A study in perspectives of its integration into primary health care with emphasis on management of neuropsichiatric disorders, para obtenção do grau de Agregado do Ensino Superior (Neuropsiquiatria/Saúde Pública) correspondente a um PhD (Faculdade de Medicina, UIA, Universidade de Antuérpia). 

Voltou a Angola em 1985 onde até 1989 trabalhou como neurologista, fez investigação e ensino pós-graduado em Citologia e Fisiologia Celular no Instituto Nacional de Saúde Pública do Lubango (formado por três Centros de Estudos e quatro Laboratórios de Investigação), Instituto que ele próprio, criou para o Ministério da Saúde e onde também formou jovens investigadores, continuou os seus estudos de Antropologia Médica (serão objecto de obra a publicar) e dirigiu quatro teses de licenciatura, defendidas no Instituto Superior de Ciências de Educação do Lubango, (Universidade Agostinho Neto). 

Retoma em 1990 na Universidade de Antuérpia, Laboratório de Microbiologia, Faculdade de Medicina (UIA), as suas investigações sobre a formação de pattern, heterogeneidade celular de tamanho e equipamento molecular, linhagens celulares no Cryptococcus neoformans, como modelo para a compreensão da organização celular no cérebro, em particular no cortex cerebral. De 1992 a 1994 tenta precisar alguns aspectos desses problemas noutro sistema, a retina do coelho e do homem. É sucessivamente Professor Convidado e Cientista Convidado nessa Faculdade. 

A convite do Departamento de Ciências Comparadas da Cultura da Universidade de Gand, fez, em Março de 1995, três seminários sob o título General Features of Knowledge Production – the case of African Traditional Medicine a estudantes  do Erasmus Postgraduate Course – Comparative Studies of Knowledge Systems. 

De 1995 a 1997 cessa toda a actividade laboratorial para se consagrar à redacção do livro Tetrapexity: A Theory of Pattern Formation – Taking a Special Look at the Brain, Multicellularity, DNA and a few other Biological Macromolecules (ANERP, Antuérpia, Dezembro de 1997). Esta obra, de 281 páginas, partindo de cerca de trinta e dois anos de investigação e reflexão sobre o cérebro normal e patológico e duma quinzena de anos de estudo do Cryptococcus neoformans, propõe uma teoria de formação de pattern e de organização do cérebro. 

Ultimamente esteve a trabalhar numa alga endógena que se revelou poder ser utilizada para o tratamento da sida na medida em que possui o inibidor da multipplicação do vírus. Trata-se de uma alga que só é conhecida em Cabo Verde e à qual ele e o seu colaborador deram o nome de Condriella isecmarius em homenagem ao Isecmar que nesse ano comemorava dez anos da sua fundação.

3. Reuniões e Congressos onde apresentou comunicações:

Reunião Belgo-Italiana de Neuropatologia, Antuérpia, 1966

Reunião da Sociedade Francesa de Neurologia, Paris, 1967

Reunião da Federação das Sociedades Europeias de Bioquímica (FEBS), Madrid, 1969

IV Congresso Internacional de Neuroquímica, Tóquio, 1973

VII Simpósio de Fisiologia da Junção Neuromuscular, Cracóvia, 1973

IV Congresso Internacional de Neuropatologia, Budapeste, 1974

III Conferência Internacional sobre os Isozimas, Yale, 1974

II Congresso Internacional sobre as Doenças Infecciosas, Montreal, 1990

34ª Reunião Anual da Associação de Investigação Ocular, Granada, 1993

4.1. Alguns dos Trabalhos Publicados no Domínio das Ciências Neurológicas (Neuromorfologia, Neuropatologia, Neurobiologia) 

A telencefalização e a morfologia do sistema talâmico de projecção difusa. Tese (Diploma de médico), Lisboa, 1964, 250 páginas 

*Atrophie systématisée de la formation réticulaire. Syndrome de dyshoméostasie du névraxe. Revue Neurologique (Paris), 1967, 16:437-440 

*Atrophies de la formation réticulaire du névraxe. Psychiatria Clinica (Basel/New York), 2:41-61 & 109-123, 1969. (Version abrégée en anglais: Psychiatric Digest, Illinois, 31:53, 1970) 

*The reticular formation and the neuropathology of the autonomic disorders. Proceedings VIIth Inter. Congr. Neuropathology, ed. by St. Korney, St.Tariska and G.Gosztony. Akademiai Kiado, Budapest, 1975, pp. 753-756 

*With DeWulf et al

Études cytométriques du thalamus humain normal. Giornal di Psichiatria e di Neuropatologia, Ferrara, 1969, 97:361-373 

*Cytometric studies in Anatomy of the Normal Human Thalamus by André DeWulf, Elsevier Publ. Co., Amsterdam, 1975, p. 295 

*Acetylcholinesterase isoenzimes and nerve transmission. Abstracts FEBS Meeting, Madrid, 1969, p. 412 

*Acetylcholinesterase of muscle and brain of rat. Some kinetic differences. Abstracts IVth Intern. Congr. Neurochemistry, Tokyo, 1973, p. 412 

*Properties and physiological significance of acetylcholinesterase isoenzymes of mammalian muscle. VIIth Sympos. Physio-Morphology of the Neuromuscular Junction. Polish Academy of Sciences, Krakow, 1973, pp. 27-28 

*Kinetic characterization of acetylcholinesterase of muscle and rat brain. Experientia, 29: 1347-1349, Basel, 1973 

*Potentials in exploring the physiological role of acetylcholinesterase isoenzymes. In Isozymes II: Physiological Function, ed. by Clement Markert, Academic Press, New York, 1975, pp. 315-342 

Tetrapexity: a theory of pattern formation – Taking a special look at the brain, multicellularity, DNA and a few other biological macromolecules, ANERP, Antwerp, 1997, 281 p. 

(J. M. Varela et Paul Mandel)

The relative distribution of soluble and insoluble cholinesterase in rat excitable tissues. Experientia 32:976-977, 1976 

(J. M. Varela et al)

Diphenol oxidase isoenzymes in the rabbit choroid and retina/retinal pigment epithelium. Abstracts of the 34th Annual Meeting AER, Granada, 1993, p.93 

*Isoenzymic patterns of tyrosinase in the rabbit choroid and retina/retinal pigment epithelium. Experimental Eye Research 60:621-629, 1995

4.2.Trabalhos Publicados no Domínio da Micologia

*Cryptococcose expérimentale chez la souris: neurotropisme de souches de Cryptococcus neoformans d’origine africaine et européenne. (Monografia de especialização em Micologia Médica e Veterinária, Institut de Médecine Tropicale, Anvers, 1981)

*Lesions and their mechanisms in cerebral cryptococcosis. Abstracts IIth Intern. Conf. Infect. Dis., Cairo, 1985, p.410 

*Cryptococcus neoformans: morphologie et cytochimie. ANERP, Anvers, 1985, 29 p. 

*Cryptococcus neoformans: cell variability and pathogenic competence. Abstracts IVth Intern. Conf. Infect. Dis., Montreal, 1990, p.1996

4.3.Trabalhos Publicados no Domínio da Saúde Pública e Antropologia Médica (Trabalhos científicos, relatórios e conferências)

*Afecções hereditárias em África I. Doenças de Stargardt, surdomudez com ou sem oligofrenia, síndromes psicóticos hereditários. Relatório de uma viagem de estudos à ilha de S. Nicolau, República de Cabo Verde. Ministério da Saúde, Praia, 1978, 5p. 

*Para uma Universidade de Guiné-Bissau/Cabo Verde. África (Lisboa), 1:57-64, 1978 

*As Faculdades de Medicina na Revolução Africana. Raízes (Praia), 7-16: 71-85, 1980 

*Quelques aspects de la Médecine Traditionnelle. Administration Générale de la Coopération au Développement. Formation continue: Série “Médecine et Développement”, Bruxelles, 1982, 47p. 

*Médecine et Société en Afrique Noire: le pari anthropologique. Conférence à la Maison Africaine, Bruxelles, 1984, 46p. 

*Traditional Medicine in Lesotho. A study in perspectives of its integration into primary health care with emphasis on management of neuropsychiatric disorders. Tese (PhD, Faculdade de Medicina, UIA, Universidade de Antuérpia, Bélgica, 1984) defendida em Março de 1985 e publicada em livro em Dezembro desse ano, ANERP, Antwerp, 357p. 

*Instituto Nacional de Ciências Biomédicas, Anteprojecto, Praia, 1991, 4p. 

*Investigação Científica e Desenvolvimento em Cabo Verde: a propósito da educação científica aos níveis secundários e superior e das políticas nacionais de investigação.

I.Jornadas de Ciência e Tecnologia, Mindelo, Cabo Verde, 1997, 4p 

É membro da Sociedade Belga de Medicina Tropical, da Sociedade Belga de Micologia Humana e Veterinária e da Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas.

B . CURRÍCULO LITERÁRIO

João Manuel Varela separou sempre a sua carreira de neurocientista da carreira de escritor que desenvolveu paralelamente à primeira e daí que tenha sentido a necessidade de utilizar outros nomes: João Vário, Timóteo Tio Tiofe e G. T. Didial. O primeiro dos heterónimos corresponde ao escritor mais influenciado pela cultura ocidental, uma poesia que nada tem que ver com os problemas específicos de Cabo Verde como ele próprio afirma; o segundo e o terceiro correspondem a um escritor comprometido com o seu país, Cabo Verde e com África. Tiofe é o poeta da caboverdianidade enquanto Didial é o ficcionista de Contos de Macaronésia e do romance O Estado Impenitente da Fragilidade.

A sua actividade literária iniciou-se com a publicação de um livro de poemas Horas sem Carne (Coimbra, 1958) que retiraria da circulação pouco tempo depois de editado, por ter entendido que a sua qualidade ficava aquém das suas exigências estéticas.

Organiza com a colaboração de Eduino de Jesus e Rui Mendes um Jornal de Poesia cujo aparecimento estava prevista para Janeiro de 1959 mas que não chega a vir a público por proibição da Comissão de Censura.

Em 1961 organiza com Luís Serrano e Rui Mendes o caderno de poesia Êxodo. Aí aparecem já excertos de Exemplo Geral que viria a ser publicado em 1966. A este seguir-se-iam Exemplo Relativo, Exemplo Dúbio, Exemplo Próprio, Exemplo Precário, Exemplo Maior, Exemple Restreint, Exemple Irréversible e Exemplo Coevo. Em 2000, reuniu-os em Exemplos  - Livros 1-9.

Simultaneamente, João Varela, agora com o pseudónimo Timóteo Tio Tiofe, fazia editar O Primeiro Livro de Notcha (1975). Posteriormente, são reunidos O Primeiro e o Segundo Livro de Notcha (2001?).

Sob o pseudónimo G.T. Didial publicou o romance O Estado Impenitente da Fragilidade

(Praia, 1989) e Contos de Macaronésia (Mindelo, 2 vols. 1992 e 1999).

Exemplos: é certamente a sua obra mais importante. Dela, disse Osvaldo Silvestre: […] um todo textual francamente monumental, uma obra de grande envergadura […], ímpar, quer entre as literaturas de língua portuguesa, quer, mais particularmente, entre as literaturas africanas de língua portuguesa. Um dos grandes escritores contemporâneos de língua portuguesa.

Exemplo Geral, é uma reflexão sobre a morte como frisou o saudoso Vítor Matos e Sá nestas palavras (contracapa da 1ª edição): ela [a morte] nos comunica, porém, a difícil grandeza de um espanto perante a morte (alheia e própria) que se devolve sobre a vida inteira […] com impiedosa lucidez, desesperada ironia e certa ternura triste, confiando apenas à vocação “poética” das palavras […] a conjuração ritual da morte. Esta importância da morte na obra de Vário tem porventura muito a ver com o facto de ele ter assistido à morte dos três irmãos mais novos quando eram ainda crianças de tenra idade.

Em Exemplo Relativo, o autor afirma que estes exemplos não são forçosamente autobiográficos e em relação a este diz: investigações feitas com utensílios fornecidos pela memória: as cidades, as mulheres, um certo Ocidente (p.127 da obra reunida). Há, no entanto, observações autobiográficas como seja a fuga à mobilização para a guerra colonial.

Em Exemplo Próprio, Vário reflecte sobre a cidadania, esclarecendo no prefácio a sua arte poética: A minha poesia é, em larga medida, narrativa, é evidente. Mas será erro supor que ela é autobiográfica. […] Mais adiante, observa: Não ignoramos que a verdade é um deus decrépito: / viemos não para depor mas para interrogar (p.125).

Em Exemplo Precário, aborda o poder. Diz o autor: o presente texto propõe uma interpretação: trata-se neste caso duma meditação sobre o poder. Melhor diria: é quase uma reflexão sobre os “desvios totalitários” do exercício do poder. […] Ensino de malícias é o poder dirá (p.191).

Em Exemplo Maior, o autor adianta estas palavras que iluminam o texto poético (p.235): O presente livro de Exemplos tenta lembrar que a vida é também uma forma de jazer entre pausas. A desgraça, a carência ou a felicidade nada têm de surpreendente. O que espanta é que se instalem com intermitências: mão de deus ou milagrosa incongruência da natureza? […]. E a propósito da solidariedade: […] Em verdade, / convivemos mal com a reciprocidade. […]

Exemple Restreint (1989), dedicado à memória do pai, é a reflexão do exilado que perdeu o pai e não pôde estar presente nas cerimónias fúnebres; outra vez, uma dolorosa e comovente meditação sobre a morte. Exemplo: Qui donc portera le deuil du père? / Ah, c’est un dur métier que l’exil. […] Oui, éloignés du pays natal / nous n’avons pas vu le catafalque du père. / Cependant, les six pieds de terre que nous n’avons pas / regardés ni touchés / sont là sous nos souliers / et la poussière à nous se dissout peu à peu / dans ces six mesures de terre (p.303).

Exemple Restreint e Exemple Irréversible foram escritos directamente em língua francesa pelo facto do autor considerar que essa língua tinha uma ligação privilegiada com o continente africano

Em Exemplo Coevo, Vário justifica assim a obra (p.381): O presente livro pretende meditar […] sobre os acontecimentos ocorridos no ano do nascimento do autor, daí o título Exemplo Coevo, para levantar uma questão desconcertante ou faceciosa: terão de alguma maneira influenciado o seu destino?

Por aqui perpassam os bons e os maus acontecimentos desse ano de 37, as grandes obras científicas e artísticas mas também a guerra de Espanha com o seu milhão de mortos.

Exemplos é uma poesia fortemente narrativa, de respiração barroca, estando qualquer destas obras carregada de intertextualidades com imensas citações da Bíblia, Dante, Homero, Platão, Virgílio, Horacio, Goethe, Pound, T.S.Eliot, Ungaretti, Quasimodo, St. John Perse e outros.

O Primeiro e o Segundo Livros de Notcha, de T. T. Tiofe: Ele próprio dá a justificação para este novo pseudónimo: Até agora tenho publicado […] sob o pseudónimo de João Vário, uma poesia que nada tem que ver com os problemas específicos de Cabo Verde. Era natural que, homem destas terras, um dia me voltasse para os seus problemas, as suas aspirações, e que tentasse dizê-las em poesia. […] Como se trata de uma linguagem de algum modo diferente […] da que persigo em Exemplos, estimei que devia utilizar um outro pseudónimo.[…] (do prefácio a O Primeiro Livro de Notcha)

A construção destas duas obras representa um esforço no sentido de evitar a repetição de uma linguagem poética estereotipada que fizera época. Por isso, recorre à prosa enxertada no corpo dos versos […] como se pode ler nas badanas do livro.

Esta entrosagem da poesia com a prosa, alternando-se, confere às obras um ritmo que constitui um eco da dinâmica de um país que era uma colónia e deixou de o ser.

Diz Tiofe que estas duas obras não são ainda poesia épica mas há uma atmosfera que as aproxima dela, quer pelo seu carácter narrativo quer pela presença de um certo tipo de heróis importantes para a caracterização da história e da fundação de um país novo.

O Estado Impenitente da Fragilidade: romance único de Didial, inspira-se no episódio bíblico Abraão/Isaac. Como seria possível que Deus desse uma ordem para matar um inocente, que um pai matasse o filho, que as relações entre pai e filho não ficassem envenenadas para sempre desencadeando a revolta e a vingança por parte deste? Será que todos os crimes têm perdão? Tal temática transporta-a Didial para Cabo Verde onde durante algumas das grandes fomes chegou a haver casos de antropofagia.

O perdão é, pois, a grande interrogação, com que aqui se defronta o autor. Exilo-me realmente para esquecer, para não matar. Porém, quanto tempo ainda poderei ter mão em mim, impedir-me de o matar? […]. Acontece-me também perder horas ou dias inteiros imaginando o remorso. […] dirá o personagem principal (p.8).

Livro onde a morte (e o suicídio), o ódio, o amor e o sexo se confrontam com o perdão.

Bibliografia activa

a) Sob o pseudónimo João Vário:

Exemplo Geral, Textos Êxodo 1, Coimbra, 1966.

Exemplo Relativo, Antuérpia, 1968

Exemplo Dúbio, Coimbra, 1975

Exemplo Próprio, Antuérpia, 1968

Exemplo Precário, Coimbra, 1981

Exemplo Maior, Antuérpia, 1985

Exemple Restreint, Antuérpia, 1989

Exemple Irréversible, Antuérpia, 1989

Exemplo Coevo, Praia, Cabo Verde, 1998

Exemplos – Livros 1-9, (Poesia reunida),edição pequena tiragem, Mindelo, 2000 

b) Sob o pseudónimo Timóteo Tio Tiofe:

O Primeiro Livro de Notcha, Publicações Gráfica do Mindelo, S. Vicente, Cabo Verde, 1975

O Primeiro e o Segundo Livros de Notcha, edição pequena tiragem, Mindelo, s/d (2001?) 

c) Sob o pseudónimo G. T. Didial:

O Estado Impenitente da Fragilidade (romance), Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco, Praia, Cabo Verde, 1989

Contos de Macaronésia, vol 1, Ilhéu Editora, Mindelo, 1992

Contos de Macaronésia, vol 2, Edições Calabedotche, Mindelo, 1999 

d) Revista Anais dirigida pelo Prof João Manuel Varela: 6 números

            1999, vols 1, 2 e 3

            2000, vols 1 e 2

            2001, vol 1

Bibliografia passiva

CARVALHO, Alberto – Estética cabo-verdiana (sécs. XIX – XX): o mito da Macaronésia

in IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada

FERREIRA, Manuel – No Reino de Caliban: antologia da poesia africana de expressão  portuguesa, vol.I, Seara Nova, Lisboa

LABAN, Michel – Encontro com João Varela in Cabo Verde Encontro de Escritores,

vol. II, Porto, Fundação Eng. António de Almeida [1992?]

SARAIVA, Arnaldo – Uma nova revista de poesia in Rumo, nº 53, Julho de 1961, p. 79-82

SERRANO, Luís - João Vário, esse grande escritor cabo-verdiano in Suplemento das Artes das Letras de O Primeiro de Janeiro, de 26.03.2007

SERRANO, Luís - O Primeiro e o Segundo Livros de Notcha, de Timóteo Tio Tiofe

in Suplemento das Artes das Letras de O Primeiro de Janeiro, de 02.07.2007

SERRANO, Luís - O Estado Impenitente da Fragilidade, de G. T. Didial in Suplemento das Artes das Letras de O Primeiro de Janeiro, de 24.09.2007

SERRANO, Luís – João Vário /João Manuel Varela (1937-2007) – Um Poeta Maior in JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias nº 962 (15-28 Agosto, 2007)

SERRANO, Luís – Prefácio a Exemplos ou O Sentimento da Morte na Obra Exemplos de João Vário (inédito)

João Vário (Mindelo, São Vicente, 7 de Junho de 1937 — Mindelo, São Vicente, 7 de Agosto de 2007), principal pseudónimo de João Manuel Varela, que também assinou como Timóteo Tio Tiofe e G. T. Didial, foi um escritor, cientista e professor cabo-verdiano.

Estudou medicina nas universidades de Coimbra e de Lisboa e doutorou-se na universidade de Antuérpia, na Bélgica, onde foi investigador e professor de neuropatologia e neurobiologia. Ao jubilar-se, regressou à sua Mindelo natal.

Deixou uma obra poética extensa, mas ainda pouco conhecida do grande público. Foi muito influenciado pela cultural ocidental, tendo como referências Saint-John Perse, T. S. Eliot, Ezra Pound, Aimé Césaire, Dante e a própria Bíblia.
 

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