JOÃO GARÇÃO

De “OS VERSOS DO ZÉ POVÃO”

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A Raul Proença

A Raul Proença (num vinte e cinco de Abril)

O que tu então perdeste, Raul!

Eu sei que, se pudesses, lá estarias,

com o teu uniforme de alferes

e o pingalim pela mão, logo manhã.

 

E saudarias a multidão com o lenço velho,

já não feito numa bola e fechado na mão forte.

Como ainda nos faz falta, Raul, essa mão

ágil e livre onde seguravas, com mestria,

 

a primeira pena da República.

 

Sabes, é agora mais fácil passear por Portugal

- as estradas e as estalagens são já outras.

Mas a grande aventura, Raul, seria

descobrir o que resta do país descrito no teu Guia.

 

Darias abraços em Caxias. E em Peniche, é claro,

pois também lá tiveste amigos seguros (sem ironia)

como o meu avô e o Jaime – a quem não perdoaram

ter vindo do Brasil para ver o seu país

 

uma última vez, antes de morrer.

 

Às vezes, imitando o meu avô, também eu uso

uma gravata rubra, mais vermelha que o teu sangue

(aquele que, uma vez, prometeste dar pela República).

É pouco, Raul, eu sei – mas continua a chateá-los…

 

Escuta ainda, Raul: se puderes ir a Castelo de Vide

não deixes de levar o meu pai

para que, junto da campa do Salgueiro Maia,

lhe voltem a cantar, com voz firme,

 

o Grândola Vila Morena.

 
de “OS VERSOS DO ZÉ POVÃO”