JOÃO GARÇÃO
Hieronymus Bosch: o pintor, o profeta, o visionário
Relance sobre um percursor medieval do surrealismo

“Devo confessar que a maioria dessas obras deixa uma
impressão dolorosa em minha mente” – Robert Fry

INDEX

Introdução
NOTAS BIOGRÁFICAS
Vida e influencia
O mundo em que se movimentou Hieronymus Bosch
O VISIONÁRIO INTEGRAL 
A actualidade de Bosch
Mergulho no inconsciente
O sonho e o maravilhoso
O revolucionarismo de Bosch
Uma análise final: a questão do processo criador

Vida e influência

Hieronymus Bosch (145? – 1516) cultivou a sua arte em Bois-le-Duc, pequena região isolada da Holanda. Bois-le-Duc era a quarta cidade do ducado de Brabante e havia enriquecido através do comércio. O clima que ali se vivia, se era provincial não era no entanto desprovido de vida artística, apesar da distância que a separava de Harlém, que era na altura o mais concorrido centro artístico holandês.

Pouco se sabe sobre a sua vida. As fontes, demasiado lacónicas, não fornecem muitos elementos. Ao que parece nunca terá deixado Bois-le-Duc. Desposou Aleid Van de Mervene, uma rica proprietária, vivendo confortavelmente e decerto saboreando a independência artística.

No que diz respeito à obra, também não é possível estebelecer de maneira positiva uma evolução técnica do pintor. Toda a afirmação toca o campo da hipótese. Os seus quadros não são nunca datados e apenas cinco possuem assinatura, que foram muitas vezes plagiadas na sua grafia gótica e latina. Só nos são facultadas cerca de quarenta obras autênticas. Para dar um exemplo, o “Transporte da Cruz”, dos Museus Reais de Belas-Artes de Bruxelas, é uma obra situada por Van Puyvelde na juventude do artista, por Baldass cerca de 1480, por Tolnay no período médio e por Friedlander na maturidade. Actualmente, tende-se a procurar as fontes de inspiração nas iluminuras, nos incunábulos, nos paleotipos e nas xilogravuras.

Proveio de uma família de pintores e artesãos e, ao que se pensa, o denominado Jean van Aken, várias vezes citado nos arquivos da Catedral de Bois-le-Duc como o realizador dos frescos (1423-1424) existentes nessa igreja, talvez tenha sido seu tio.

Muitos historiadores de arte insistem hoje em dia no papel que o mundo provincial onde viveu, ainda preso às fórmulas do gótico internacional, terá tido na formação de Hieronymus Bosch. Neste mundo provincial há um elemento que não podemos desprezar na análise da obra do pintor: a importância da corrente mística na Flandres (obsessão pelo Inferno, processos de bruxaria, etc.) e em que muitos autores insistem, sobretudo depois dos estudos de Huizinga (“O declínio da Idade Média”). E aqui surge-nos uma questão sempre posta, a da ortodoxia de Bosch: ou o artista foi cristão, ou viveu à margem da Igreja estabelecida. Ou a sua imaginação se inscreve na linha da Idade Média fantástica mas cristã, ou os seus quadros escondem aos olhos do não iniciado afirmações doutrinais de seitas esotéricas.

Vários são os estudiosos que se debruçaram sobre este problema sem dúvida importante para a compreensão da vida de Bosch e da sua obra, pois possivelmente poderá ajudar-nos a responder ao mistério que se nos apresenta, relacionado com os fantasmas da criação.

Assim, Charles de Tolnay definiu Bosch como heterodoxo. Adepto da devotio moderna dos “Irmãos da Vida Comum”, Bosch teria estigmatizado desvios com respeito à Igreja oficial. Devemos também, e em paralelo a esta teoria, observar o facto de ter vivido sempre na mais estreita ortodoxia sempre respeitosa em relação à autoridade eclesiástica.

Wilhelm Franger dispensou numerosa erudição para associar o pintor de Bois-le-Duc a correntes anti-cristãs. Segundo Franger, Bosch teria sido membro de uma seita adamita, a dos “Irmãos do Livre Espírito”

Por fim, de acordo com C.A.Wertheim, Bosch era um Rosa-Cruz, bem como Filipe-o-Belo, e Filipe II teria tido também bastante estima pelas ideias deste ramo da franco-maçonaria. Contudo, não são apresentadas provas ou referências.