A MÃO SOBRE O MÁRMORE / PABLO NERUDA
José António Gonçalves
04-04-2005 www.triplov.org

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                    homenagem ao poeta,
                    no centenário do seu nascimento

 

Podias calar a ânsia de cantar o amor

de derramar pelo mundo a maresia dos beijos

nas palavras cobertas de musgo e de cetim

visitadas pela poesia das madrugadas sem fim

em que ergueste estátuas de mármore vivo

às decifrações das mensagens e dos desejos

 

Podias falar de limbos ou de liames até de bolhas

de ar no rosto dos marinheiros de água doce

de véus de rezadoras nas igrejas dos Andes

e não resististe a preencher com loas e rimas as folhas

de cadernos convertendo-os em livros e na foice

da terra onde mesmo sem a veres a alma expandes

 

Podias cantar os amanheceres de velhos destinos

as glórias de exércitos desbaratando invasores

e rendeste-te ao pão às florestas aos rios até ao mar

aos gritos do povo no apelo à liberdade e em flores

soubeste transformar os espinhos e o trovejar

das armas em cânticos para adormecer os meninos

 

Podias ter ficado quieto nas redes das tuas paixões

guardando na gaveta da memória o sangue derramado

as sombras da prisão e o amargo do exílio forçado

as agruras dos campos por lavrar os silêncios sentidos

e em vez disso construíste a casa do poema nas visões

que o futuro traz na leitura dos tempos novos dos dias idos

 

Era a tua sina avançar nos descampados saltar as barreiras

ir sempre em frente sem medo dos abismos e dos céus

com a liturgia profética que um século de sonhos projecta

abraçada firmemente ao peito para não a deixar cair

e decidiste cumprir a missão de com os versos teus

seres um verdadeiro general na batalha que era apenas tua, poeta

 

JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES
(inédito.01.07.04)