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NO DIA DO CORPO DE DEUS.................................
Seleccção de António Cardoso Pinto...........................
Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste............................


Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste
e te afastas de meus gritos?
Brado em vão e sem repouso.
Encho os dias e as noites com as vozes desta angústia,
e o teu silêncio me cerca. (...)

Cresce-me o pranto, se me perguntam onde está o Deus vivo.
Triste, lembro-me de haver caminhado para ti,
entre os gritos delirantes de um povo na sua festa.
Que tens, ó minha alma, que estremeces de melancolia?
Porquê gemer e não cantar Aquele
onde se apoia a tua face? (...)

- Onde está o Deus vivo? - perguntam-me os frios
de coração. E eu pergunto onde está o meu Deus vivo. (...)

Onde está o Deus vivo, que se não esgota
o tempo das trevas? Sobre os montes do exílio, tremo
e peço que revele a sua luz.
Que eu mencione em minha cítara um Deus de alta presença.
Que tens, ó minha alma, que estremeces de melancolia?
Porquê gemer e não cantar Aquele
onde se apoia a tua face? (...)

Nada de mim te é estranho.
Adivinhas a palavra que se tece ainda em mim.
Estás em frente do meu rosto, estás atrás das minhas costas,
e pousaste a tua mão sobre a carne do meu ombro.
- Oh, tua ciência é de mais prodigiosa. (...)

Foste tu, eu sei, quem ergueu a minha carne,
quem lentamente me urdiu no ventre de minha mãe.
Maravilho-me ao pensar no enigma criado.
De há muito já decifravas labirintos da minha alma,
e vias erguer-se a máquina dos meus ossos obscuros.
Minha vida estava inscrita no teu livro encoberto.
Ainda antes do tempo fixaras os meus dias.
Mas os teus, os teus enigmas, quem os pode decifrar?
Que se estendem pelo tempo como na terra as areias.
Odeio os teus inimigos com um ódio absoluto.
Tu me sondas, Senhor, e me conheces.
Adivinhas a palavra que se tece ainda em mim.
Tu que sabes do meu sono e da minha marcha incerta,
dá-me o caminho secreto para a tua eternidade.

 
("O Bebedor Nocturno" - Poemas do Velho Testamento - de Herberto Helder in: "Poesia
Toda" -1981)