CLAUDIA SAMPAIO....
Dois poemas

a condição exacta de me subir galáctica

Já subi serras desnudas e respirei cardos como rosas
saíram-me pelo nariz os picos onde pendurei cabides
coroas amarelas na cabeça onde pousei betão
e fiz jarra do antigo amor-prédio com dois andares
de várias assoalhadas pós-guerra

passeio-me por entre as ruínas, canto
ondulo em pé
relembro sentada as noites fogo de artifício
onde te desbastava com sotaque só nosso
e até parecia que a solidão não era viva

eu calo, eu ouço
não falarei das carruagens descarriladas de amor crescente
das fronhas magníficas na cama de verão
das discussões tabágicas, das compras de supermercado
das bicas matinais de beijos frescos nas olheiras
dos olhos sorridentes capazes de três marés

não viverei nesta avareza de corpos tácitos
ascendo-me em escala, solto um dó
a última piedade de um coração toupeira

exijo-me a tenacidade das chuvas torrenciais
estender-me na crueza da vida a galope
toc-toc-toc sempre às chicotadas
cada vez mais rápido, sem olhar atrás
cada vez mais rápido à estratoesfera
ir contra um asteróide e explodir em astro
numa doce eutanásia do amor-risível
 

 

a incompreensão dos dias da corja 

olha como é a injustiça que te atira à sarjeta
passam-te três carros e meio por cima
e ainda te levantas com um sorriso
aprendeste a coxear em tom sexy
só à espera desse instante
depois segues toda mulher, disfarçada
em ligaduras de primeiro grau

seguirás em frente com os princípios e
os fins

serás refeita e praticada universalmente,
como uma bíblia,
nesta cozinha onde sugas as lágrimas
a lavar a loiça com palha de aço

 

Cláudia R. Sampaio nasceu em Lisboa em 1981. Dedicou-se ao ballet, ao teatro, à pintura, ao cinema e à escrita de ficção para TV, sendo a poesia a sua forma preferida de comunicação. 

Blog: http://genocidiopoetico.blogspot.pt/2013/05/a-culpa-e-minha.html