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JOSÉ DO CARMO FRANCISCO

As romarias e os livros – três ideias num conceito: peregrinação, jornada e festa

Quando uma multidão ou um simples grupo de pessoas se dirige num dia certo do ano a um lugar sagrado, faz essa viagem por etapas e, depois de andar em volta do santuário, se diverte entre sol e pó num arraial, podemos dizer que temos então uma romaria.

No livro «Júlio César Machado no Oeste» organizado por Vítor Wladimiro Ferreira (edição Museu Municipal do Bombarral) surgem as Festa das Nazaré que são afinal no Sítio, lugar onde aconteceu o milagre de D. Fuas Roupinho. O texto é de 1861: «Já lá vêm cobrindo a estrada, os círios uns após outros! Deixemo-lo entrar, o grande Círio da Prata Grande! Depois dele virá o das Caldas e, depois do das Caldas, chegará à noite o de Óbidos, descendo brilhantemente as serranias da Pederneira e alumiando a Nazaré ao clarão dos seus archotes! A romaria desfilava pela praça e girava três vezes em roda da igreja. A música rompia a marcha e os anjos encetavam o cortejo. São três crianças de calção de meia, manta bordada e gorro de paladino que se aguentam em cima dos seus cavalos e guardam os pés em enormes estribos de pau. O povo ajoelha, escuta e aplaude. É fabuloso o número de criaturas que se arrastam de joelhos pela praça! Pelo adro! Pela igreja!»

No livro «Senhor Santo Cristo dos Milagres» de Paula Simões (edição ELO) as fotos de Carlos Garcia registam a romaria que tem lugar em Ponta Delgada todos os anos, cinco semanas após a Páscoa. Iniciada em 11 de Abril de 1700 depois de diversos abalos sísmicos na ilha de São Miguel, a procissão com a imagem do Senhor Santo Cristo sai do Convento da Esperança , contorna o Campo de São Francisco, cruza as Porta das Cidade, passa ruas e largos até se recolher na igreja de São José onde aguarda a celebração da missa no domingo a seguir. O som das filarmónicas sela a emoção das promessas que ligam dois mundos: o do Céu e o da Terra.

O livro «Feiras Mercados e Romarias em Portugal através do Bilhete Postal Ilustrado» (edição ECOSOLUÇÔES) corresponde a uma exposição do Museu da República e da Resistência, organizada por João Mário Mascarenhas e comissariada por Pero Barbosa. De Melgaço a Tavira, de Espinho a Elvas, da Ericeira a Castelo Branco, os postais ilustrados provam como é forte a relação entre o fenómeno religioso e a feira: «É aqui que mais genuinamente se mistura o profano e o sagrado na simplicidade da alma e cultura populares, onde o cheiro da maçã camoesa se confunde com o odor dos círios prometidos em hora de má sorte (…) A meio da tarde sai a procissão. Por um percurso que tem a extensão dos séculos, regressando ao altar. E a restante celebração é festa e arraial, onde as vozes das gentes se apagam no estralejar dos foguetes e morteiros, no afagar discreto dos corpos ao ritmo da banda que abafa os gritos da euforia e as lamentações espontâneas.»

No livro «Um olhar português» (edição Círculo de Leitores) com fotos de Jorge Barros se incluem diversos textos de vários escritores portugueses: João de Melo, Viale Moutinho, Lídia Jorge, Al Berto, Mário Ventura, José Cardos Pires, Hélia Correia, Eugénio de Andrade, Fernando Dacosta, Mário Cláudio, Francisco José Viegas e Regina Louro. Fernando Assis Pacheco (1937-1995) assina um texto sobre a romaria de Agosto no Senhor da Serra: «Às dez da manhã de um dia de Abril de 1991, levado a passeio por Felisberto Lemos, o amigo livreiro e preclaro cidadão de Coimbra, subi ao lugar de Vendas de Ceira para o Senhor da Serra com a esperança de que lá no alto fosse tudo como eu imaginava: uma igreja camponesa, um largo com um café e um mirante, cães abanando o rabo, solícitos, bons compadres; a um canto a carreira, acabada de chegar.» Depois de uma passagem pela casa que foi de João José Cochofel onde outro poeta o visitava (José Gomes Ferreira), o poeta e jornalista Fernando Assis Pacheco prossegue: «O bloco-notas garante que na cercadura da igreja, aliás santuário – sejamos rigorosos com a História – estão cinco bancos de pedra, todos eles e cada qual de um com o seu santo episódio descrito em azulejaria: Milagre que fez o Senhor da Serra a Miguel Maria Antunes no ano de 1852…Que fez a Manoel dos Santos, o Velho no lugar do Zambujal, no ano de 1850… A Manoel Martins, do lugar de Rojela, no ano de 1837.»   

JOSÉ DO CARMO FRANCISCO (Santa Catarina, Caldas da Rainha,1951).

Prêmio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Colaborou no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses do Instituto Português do Livro. Poeta. Possui uma antologia da sua poesia publicada no Brasil. Jornalista, colaborou entre outros em "A Bola", "Jornal do Sporting", "Remate", "Atlantico Expresso"...

Autor de "Universário", "Jogos Olímpicos", "Iniciais", "Os guarda-redes morrem ao domingo", etc., bem como de antologias como "O trabalho", "O desporto na poesia portuguesa e "As palavras em jogo", entre outras.

É secretário da Associação Portuguesa de Críticos Literários. Vive em Lisboa.
 Contacto: jcfrancisco@mail.pt

 
 
 
 
 

 

 

 



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