LUIZ VAZ DE CAMÕES
"Os Lusíadas"
CANTO PRIMEIRO
 

45
Eis aparecem logo em companhia
Uns pequenos batéis, que vêm daquela
Que mais chegada à terra parecia,
Cortando o longo mar com larga vela.
A gente se alvoroça e, de alegria,
Não sabe mais que olhar a causa dela.
– «Que gente será esta? » (em si diziam)
«Que costumes, que Lei, que Rei teriam?»

46
As embarcações eram na maneira
Mui veloces, estreitas e compridas;
As velas com que vêm eram de esteira,
Dũas folhas de palma, bem tecidas;
A gente da cor era verdadeira
Que Fáëton, nas terras acendidas,
Ao mundo deu, de ousado e não prudente
(O Pado o sabe e Lampetusa o sente).

47
De panos de algodão vinham vestidos,
De várias cores, brancos e listrados;
Uns trazem derredor de si cingidos,
Outros em modo airoso sobraçados;
Das cintas pêra cima vêm despidos;
Por armas têm adagas e tarçados;
Com toucas na cabeça; e, navegando,
Anafis sonorosos vão tocando.

48
Cos panos e cos braços acenavam
Às gentes Lusitanas, que esperassem;
Mas já as proas ligeiras se inclinavam,
Pera que junto às Ilhas amainassem.
A gente e marinheiros trabalhavam
Como se aqui os trabalhos s' acabassem:
Tomam velas, amaina-se a verga alta,
Da âncora o mar ferido em cima salta.

49
Não eram ancorados, quando a gente
Estranha polas cordas já subia.
No gesto ledos vêm, e humanamente
O Capitão sublime os recebia.
As mesas manda pôr em continente;
Do licor que Lieu prantado havia
Enchem vasos de vidro; e do que deitam
Os de Fáeton queimados nada enjeitam.

50
Comendo alegremente, perguntavam,
Pela Arábica língua, donde vinham,
Quem eram, de que terra, que buscavam,
Ou que partes do mar corrido tinham?
Os fortes Lusitanos lhe tornavam
As discretas repostas que convinham:
– «Os Portugueses somos do Ocidente,
Imos buscando as terras do Oriente.

51
«Do mar temos corrido e navegado
Toda a parte do Antártico e Calisto,
Toda a costa Africana rodeado;
Diversos céus e terras temos visto;
Dum Rei potente somos, tão amado,
Tão querido de todos e benquisto,
Que não no largo mar, com leda fronte,
Mas no lago entraremos de Aqueronte.

52
«E, por mandado seu, buscando andamos
A terra Oriental que o Indo rega;
Por ele o mar remoto navegamos,
Que só dos feios focas se navega.
Mas já razão parece que saibamos
(Se entre vós a verdade não se nega),
Quem sois, que terra é esta que habitais,
Ou se tendes da Índia alguns sinais?»

53
– «Somos (um dos das Ilhas lhe tornou)
Estrangeiros na terra, Lei e nação;
Que os próprios são aqueles que criou
A Natura, sem Lei e sem Razão.
Nós temos a Lei certa que ensinou
O claro descendente de Abraão,
Que agora tem do mundo o senhorio;
A mãe Hebreia teve e o pai, Gentio.

54
«Esta Ilha pequena, que habitamos,
É em toda esta terra certa escala
De todos os que as ondas navegamos,
De Quíloa, de Mombaça e de Sofala;
E, por ser necessária, procuramos,
Como próprios da terra, de habitá-la;
E por que tudo enfim vos notifique,
Chama-se a pequena Ilha – Moçambique.

55
«E já que de tão longe navegais,
Buscando o Indo Idaspe e terra ardente,
Piloto aqui tereis, por quem sejais
Guiados pelas ondas sàbiamente.
Também será bem feito que tenhais
Da terra algum refresco, e que o Regente
Que esta terra governa, que vos veja
E do mais necessário vos proveja.»