LUIZ VAZ DE CAMÕES
"Os Lusíadas"
CANTO OITAVO
 

23
«Martim Lopes se chama o cavaleiro
Que destes levar pode a palma e o louro.
Mas olha um Eclesiástico guerreiro,
Que em lança de aço torna o bago de ouro.
Vê-lo, entre os duvidosos, tão inteiro
Em não negar batalha ao bravo Mouro;
Olha o sinal no Céu, que lhe aparece,
Com que nos poucos seus o esforço crece.

24
«Vês, vão os Reis de Córdova e Sevilha
Rotos, cos outros dous, e não de espaço;
Rotos? Mas antes mortos: maravilha
Feita de Deus, que não de humano braço.
Vês? Já a vila de Alcácere se humilha,
Sem lhe valer defesa ou muro de aço,
A Dom Mateus, o Bispo de Lisboa,
Que a coroa de palma ali coroa.

25
«Olha um Mestre que dece de Castela,
Português de nação, como conquista
A terra dos Algarves, e já nela
Não acha que por armas lhe resista.
Com manha, esforço e com benigna estrela,
Vilas, castelos, toma à escala vista.
Vês Tavila tomada aos moradores,
Em vingança dos sete caçadores?

26
«Vês, com bélica astúcia ao Mouro ganha
Silves, que ele ganhou com força ingente:
É Dom Paio Correia, cuja manha
E grande esforço faz enveja à gente.
Mas não passes os três que em França e Espanha
Se fazem conhecer perpètuamente
Em desafios, justas e tornéus,
Nelas deixando públicos troféus.

27
«Vê-los co nome vêm de aventureiros
A Castela, onde o preço sós levaram
Dos jogos de Belona verdadeiros,
Que com dano de alguns se exercitaram.
Vê mortos os soberbos cavaleiros
Que o principal dos três desafiaram,
Que Gonçalo Ribeiro se nomeia,
Que pode não temer a lei Leteia.

28
«Atenta num que a fama tanto estende
Que de nenhum passado se contenta;
Que a Pátria, que de um fraco fio pende,
Sobre seus duros ombros a sustenta.
Não no vês tinto de ira, que reprende
A vil desconfiança, inerte e lenta,
Do povo, e faz que tome o doce freio
De Rei seu natural, e não de alheio?

29
«Olha: por seu conselho e ousadia,
De Deus guiada só e de santa estrela,
Só, pode o que impossíbil parecia:
Vencer o povo ingente de Castela,
Vês, por indústria, esforço e valentia,
Outro estrago e vitória, clara e bela,
Na gente, assi feroz como infinita,
Que entre o Tarteso e Guadiana habita?

30
«Mas não vês quási já desbaratado
O poder Lusitano, pela ausência
Do Capitão devoto, que, apartado,
Orando invoca a suma e trina Essência?
Vê-lo com pressa já dos seus achado,
Que lhe dizem que falta resistência
Contra poder tamanho, e que viesse
Por que consigo esforço aos fracos desse.

31
«Mas olha com que santa confiança,
Que «inda não era tempo» respondia,
Como quem tinha em Deus a segurança
Da vitória que logo lhe daria.
Assi Pompílio, ouvindo que a possança
Dos imigos a terra lhe corria,
A quem lhe a dura nova estava dando,
«Pois eu (responde) estou sacrificando.»

32
«Se quem com tanto esforço em Deus se atreve
Ouvir quiseres como se nomeia,
«Português Cipião» chamar-se deve;
Mas mais de «Dom Nuno Álvares» se arreia.
Ditosa pátria que tal filho teve!
Mas antes, pai! que, enquanto o Sol rodeia
Este globo de Ceres e Neptuno,
Sempre suspirará por tal aluno.

33
«Na mesma guerra vê que presas ganha
Estoutro Capitão de pouca gente;
Comendadores vence e o gado apanha
Que levavam roubado ousadamente;
Outra vez vê que a lança em sangue banha
Destes, só por livrar, co amor ardente,
O preso amigo, preso por leal:
Pero Rodrigues é do Landroal.