RAIMUNDO GADELHA......

Vestido

Por estar distante, mas também por conveniência,

não escolhi eu mesmo o vestido de Natal para minha mãe

Apenas enviei à Branca, minha irmã, o dinheiro necessário

Foi ela quem, conhecendo nossa mãe como ninguém,

decidiu pelo modelo, cor e, principalmente, tamanho

Do resultado da escolha, nada sei, mas sei que,

mais uma vez, fui investido de comodismo

 

Sentimento estranho, imaginar como, na noite de Natal,

ficou minha mãe nesse vestido que eu nunca vi

Mas logo se vai o alento, pois nem mesmo sei sua cor

 

Com certa tristeza, a conclusão que não tem conserto:

Não fui eu quem, realmente, deu o vestido,

posto que ausente quase sempre estive

e sei, o mais valioso e verdadeiro presente é a presença

Dei o dinheiro, eletronicamente transferido

Branca, indo muito além, deu cor, concreta forma

e a ela seu tempo inteiro sempre dedicou

Eu apenas paguei o vestido que nem sei se minha mãe usou

E se o tiver usado, com o que ela combinou?

Uma sandália? Um sapato de salto bem baixo?

Aquele antigo colar de pérolas? Um laço no cabelo?...

 

Em meio a uma prece nunca feita, meu sobressalto:

Depois de ter sido filho por tanto tempo tão distante,

num instante sou pego em cheio pela constatação:

já não há regresso, não mais físico encontro nessa história

E para mim o que fica, além de saudade e dor,

é esse vestido, sem forma e sem cor,

para sempre pendurado no cabide da memória.  

                                                                      

Iniciado em 31/12/09
Concluído em 6/01/10

Raimundo Gadelha é formado em Publicidade e em Jornalismo pela Universidade Federal do Pará, com especialização na Universidade de Sophia, em Tóquio, Japão, onde viveu durante três anos, depois de ter estudado em Nova York. Poeta e fotógrafo, sua obra percorre o romance e a poesia, geralmente associada à Fotografia. Trabalhou durante três anos como editor da Aliança Cultural Brasil-Japão e, em 1994, fundou a Escrituras Editora. É autor de diversos livros, entre eles: Tereza, perdida, Tereza (contos, 1978), Colagem Trágica (poemas, 1980), Este circo tem futuro (Teatro, 1982) e Cristal (CD de Música Popular Brasileira, gravado em parceria com Cláudio Vespar, 1984), Um estreito chamado horizonte (1992), que o transformou no primeiro brasileiro a escrever em Tanka, a forma poética mais tradicional do Japão, Em algum lugar dentro de você mesmo (poesia, 1994, português-japonês), Brasil Retratos Poéticos 1 (fotografia/poesia, 1996, 7a edição), Para não esqueceres dos seres que somos (poesia, 1998, CD com participações especiais de Chico César, Marisa Orth, Celso Viáfora e Ná Ozzetti), Brasil Retratos Poéticos 2 (fotografia/poesia, 2001, 3a edição), Histórias do olhar (contos, 2003, com outros autores), Brasil Retratos Poéticos 3 (fotografia/poesia, 2003, 2a edição), Brasil Natureza e Poesia (fotografia/poesia, 2004), Vida útil do tempo (poesia, 2004), Brasil - Livro e Postais (fotografia, 2005) e Em algum lugar do horizonte (romance, 2000), publicado em 2007 na Grécia e no México. Em 2007, Raimundo Gadelha assumiu o controle acionário e administrativo da Arte Paubrasil (www.artepaubrasil.com.br), uma das mais reconhecidas livrarias virtuais do País.