Luís Estrela de Matos

Pedalar, pedalar, Herberto Helder

Helder, cá entre nós,

Digo, entre tu e eu,

Vejo-te distante  em teu

Severo

e incontornável dizer

e mais ainda,

cortante

com tua imagética complexa

e inesperada

Tuas luas, teus êmbolos, essas tuas bicicletas

E esse mundo por percorrer

Fazem-me mais sangue no cérebro

E uma confusão nunca antes percebida

Nesta  coisa meio alma que eu tenho

 Quando às vezes, recebo  sua visita.

Constróis linguagens

E mandas as lógicas para a casa do caracas

 Pois o poema te é secundário

És arquiteto, isso sim,

de vozes  anormais,

amorais

não sei onde fico nesse teu surrealismo

 animal. 

 

Ao ler tuas palavras,

 o chão se levanta e me descompasso

Por inteiro

Esquinas e ruas e países que nunca vi

Nem  verei

Pois o desconforto é a tua casa

Como num desenho de Escher

Sem fim nem começo,

 sem entrar ou sair

sobro no entre

de coisas

sentidas

E isto é deliciosamente anticartesiano

Nessa tua arquitetura desigual

com tantas vozes a falar

em teus versos

expansivos,

espantados,

Esparramados mesmo !

 

O que experimento em  ti

É uma prosa transgressora

( teus contos te traem...)

Escritura, sem dúvida alguma

 

( Não sei se alguns homens nascem póstumos,

Sei que tu nasceste único ) 

 

Sei que a carne te fez súdito

E grande,

Espaçoso e amante

E jogas comigo

como se o gozo

Fosse imediato e uma memória que fica

Afinal ...

Filho, filho

Mãe, mãe

E nunca mais minha mãe foi a mesma

Nem seu filho aquilo que ela esperava

E as mulheres nunca mais menstruaram

Da mesma maneira 

 

E o atum passou a ter outro gosto 

 

Helder,

Tua forma de ser é maneira de estar.

Contigo, a poética ganha imensa voltagem

E eletrificado saio pelo mundo

Pelas letras, pelas músicas, pelas formas

De patas em bicicleta

Sem saber mais quem sou,

O que faço,

Ou até mesmo meu nome de batismo

E só escuto uma coisa

Que nem sei se é voz

alguma

 

Helder... Helder...Helder .

 

 

( novembro, 2015)

 

 
 

Luis Estrela de Matos  -  escritor, professor universitário e doutorando em Literatura Comparada  pela Universidade Federal Fluminense ( UFF) finalizando uma tese sobre o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa.