Luís Estrela de Matos

Sem GPS

Ele não atinava com os caminhos. Ele não atinava consigo próprio. O próprio lhe era estranho. Ele descompassava-se por inteiro. Um passo a mais, doze passos para a esquerda, ficasse parado ( e isso era estar em algum tipo de desassossego), tudo lhe alterava a alma. Havia um estranho e difícil descompasso entre o que a vida fizera de si e o que ele havia sonhado. Havia choque. Desacordos de si. As cidades, as ruas, as esquinas e seus automóveis, as pernas das pessoas em seus trajetos estabelecidos, os vendedores ambulantes, as crianças e seus uniformes de escola, os velhos tropeçando mais e caminhando menos, tudo isso lhe causava estranheza e incompreensão. Era por ali, ele pensava , e logo a seguir escutava – não ! é por aqui. Balbuciava algo na alma e nem sabia ao certo o que pensar. A vida pensava por ele e brincava à vera, sem dó nem piedade. A esmo dava pequenos trotes como se fosse um animal sem rumo. Sem rumo é ruim dos ossos.O animal, pelo menos, tá no colo da vida. E o homem, onde está? Se fosse apenas abismo, estaria melhor. Pois quando se é abismo, sabe-se a direção embora não se imagine a chegada. Cai-se, tomba-se. Pior é estar sem rumo. Desbussolado. Estar assim é o pior da experiência humana. Viver é perigoso, eu sei. Pior é viver sem bússola. Não concatenar ritmos. Desmiolar-se por coisa alguma.  A alma sente que não pouso, não há paragem, não há estalagem. Isto  é ruim de sobra. Sobram os instantes, sobram horas, dias e meses. E o corpo gasta-se na intermitência do nada. Tudo conspira para lhe desabonar alguma direção e ele fica sem pai nem mãe. Sem terra, sem dono, sem norte. Eh.. corisco ruim esse. Ciganagem podre. Esse desterritorializar-se de todos, e de tudo, envenena a vontade. Ele fica sem o mim. Sem o mínimo. Sem o sopro. Ele quer parar, ele quer deitar, ele quer dormir, ele quer morrer. Isso lhe invade, uma tristeza sem cor, uns olhos que não encontram pouso e uma vida sem sentido. Amigos carece não, porque imaginários. Baudelaire estava certo. Há uma crueldade no viver que é sem limites. Ele estava sem GPS.

 Impossível.

 

 

                                                                 16-3-2013

 
 

Luis Estrela de Matos  -  escritor, professor universitário e doutorando em Literatura Comparada  pela Universidade Federal Fluminense ( UFF) finalizando uma tese sobre o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa.