Luís Estrela de Matos

Arnaldo Antúnel
No princípio eram as coisas. No meio também. E ao final do percurso, haverão de sê-las. E por quê?  Porque nos antecedem, nos atravessam e serão o infinito depósito, necessário e inevitável, da experiência inútil da matéria. Que bom que seja assim.
Arnaldo Antunes parece saber disso muito bem. Mas aí vieram os nomes. E as coisas ganharam nomes, não sem rebeldia, sem revolução. E o não familiar foi ganhando revestimento de familiar, de proximidade, de pertencimento... como se as coisas atendessem pelos nomes. Bem que tentamos. Aliás, estamos tentando desde o começo.

Domesticar as coisas. O que realmente gosto em Arnaldo Antunes ? Ele parece ter tentado devolver o não familiar, o estranho, o inóspito, ao próprio espaço da linguagem.  Ou ainda melhor, nome e coisa numa aventura linguística (agora sem trema) sem igual.

Aventura da poesia, aventura de um homem pré-babélico, quase uma infância da linguagem, como assegura Arnaldo relendo os lingüistas (agora com trema). 

Eis Antunes em seus vôos -

Por que o mar fica tão mar nessa escrita? Por que o lixo luxo lixo dos concretistas é tão material, abstratamente falando? Que onda é essa que invade nossos olhos ao lermos o poema e sentirmos o sal em sua mais pura materialidade?  Não vejo música, juro que não consigo.

Não vejo o letrista,  vejo coisas se tocando. Vejo coisas nos falando, vejo coisas após a significância. As coisas devolvidas a elas mesmas. Quase um acerto de contas fenomenológico. Afinal, psicologizamos demais. Psicanalisamos em excesso. Antunes clama por um reinventar. É quase uma utopia, dirão os mais céticos. Que seja. A linguagem é a última de nossas utopias.  Gosto que as coisas se revoltem.

É bom que as coisas não tenham paz. Afinal, a vida anda modorrenta demais. Ninguém agüenta mais a mesmice da vida, alcunhada, contemporânea.

Arre !

 

Luis Estrela de Matos é professor universitário, jornalista, ensaísta e escritor. Nascido em Condeixa-a-Nova (Portugal), veio para o Brasil aos 5 anos incompletos. Escreve desde os 18 anos e já participou de antologia de contos da editora carioca UAPÊ. Tem artigos, contos e poemas em alguns sites: Portal de Educação do Rio de Janeiro, Revista AGULHA, Revista Verbo21, entre outras. No jornalismo impresso fundou um jornal cultural em Niterói nos anos 90, Informando e Educando. Semanalmente escreve para o Correio de Sergipe, Jornal da Cidade (SE) e o Correio das Artes (Paraíba). Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ e atualmente doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Organiza material para a publicação de um livro de poemas inéditos.