:::::::::::::::::::::LUÍS COSTA::::::::::::
CONVERSÃO
In memoriam Agostinho de Hipona

Tu sempre soubeste que preciso de ti

Tu sempre soubeste que existes em mim

embora, quantas vezes! Te haja negado com palavras,

explodindo raiva e amargura,

com palavras cortantes como lâminas de arábicas espadas

Mas a minha negação de Ti, tu sempre o soubeste, era

a afirmação mais contundente e também mais afirmativa que pode existir

Tu fechaste-me todas as portas,

pelo menos assim o pressenti,

e nas minhas longas caminhadas, solitário, por ruas de cidades desconhecidas

pelos becos da podridão humana, Tu morrias no meu coração,

Tu morrias em mim como uma pedra escura,

de uma escuridão tão escura que até a luz era um regaço de grades

Com a tua morte

Sempre me senti deslocado neste mundo,

sózinho e abandonado

afogado no babélico redemoinho das palavras,

com a tua morte

sempre me senti um estranho entre os homens,

sempre lhes descobri o olho da serpente por trás das bondosas pestanas

com a tua morte

percorri todas as florestas negras,

visitei as casas das prostitutas,

encerrei-me em casas de banho públicas

e aí inalei o perfume da desgraça humana

e aí vivi algumas horas de amor,

daquele amor que sempre procurei nas tuas escrituras,

mas que nunca fui capaz de receber, pois o meu coração sempre foi um cálix

demasiado pequeno para receber tanta luz,

pois que para a receber era necessário a negação total...

a negação das pequenas malícias e traições que os homens

tão alegremente me ensinaram,

a negação de todas as suas ilusões,

mas eu sempre fui o orgulho dos meus mestres,

o aluno perfeito

Foi pela astúcia de Caím que sempre me regi,

por isso sem compaixão matei e bebi do sangue virgem

e corri, enlouquecido, de porta em porta

e marquei cada porta com um risco desse sangue selvagem e destruidor;

Chorei, quantas vezes! ajoelhado diante dos Teus altares,

os quais incendei com a fúria da minha frustração...

as igrejas sempre foram o meu último refúgio

Aí, no Teu eterno silêncio, sempre imaginei ouvir a Tua voz,

a voz que se ergue no centro dos desertos,

a voz que destrói para de novo construir,

a voz que não existe no mundo do homens,

a voz que não passa do pó

mas que é um bálsamo para a alma desesperada

 

Por isso regressei à casa que me viu nascer,

ao eterno deserto, e aí espero um dia, de coração limpo,

poder de novo nomear-TE.

 

 

Luís Costa, Züschen XXIII. XII. MMVII

Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de  Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.

Depois de passar três anos  num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo.  Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.

Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.