:::::::::::::::::::::LUÍS COSTA::::::::::::

ARQUEOLOGIA INVIOLÁVEL
PELOS BOSQUES DE ZUESCHEN

MARIA MADALENA

Entro no teu jardim, entro na tua casa , entro nos teus secretos aposentos,

entro, enorme cobra, cobra negra, cobra negra e cintilante, entro

com Schubert de um lado e o Marquês de Sade do outro, entro

como uma curva em gancho

e os teus segredos iluminam o espaço, os teus segredos...

E sentado ao piano Beethoven improvisa um quarteto,

um quarteto flamejante como o chiar de rodas e pneus queimados,

como violoncelos mal cheirosos, como violinos cheios de teias de aranha

como o guincho da caixa de velocidades quase a gripar.

E os choupos correm através do dia

e o dia descobre a inocência dos campos

e os ramos dos arbustos lambem o alcatrão

e por detrás do velho barracão habitam os peixes- fantasma,

e o céu desce e cresce, cresce e desce e toca o tejadilho do carro

e o espaço cheira a rosas e magnólias, e a terra cheira a incenso nazareno

e Beethoven aproveita o momento para escrever uma nova sinfonia,

talvez a décima, talvez a décima e meia, talvez a décima e segunda

ou uma daqueles que lançam fogo aos altares dos templos

de um modo tão barbárico que lembram o flagelo de Deus

e só deixam ruínas e pedaços de madeira triturada aqui e ali

E o céu desaparece e reaparece, desta vez por entre os troncos

das faias, por entre ilustres carvalhos, por entre urtigas suculentas...

E uma chuva benigna cai das asas das borboletas e os anjos

Espreitam por entre nuvens, por entre rios, por entre falsas gateiras

e os homens dão graças a Deus por cada novo dia e por cada nova noite :

Louvai ao senhor, porque ele é bom, porque a sua benignidade é para sempre.

Digam-no os remidos do Senhor, os que remiu da mão do inimigo. *

Sim, louvai o senhor, louvai o senhor, ele é o nosso pai, louvai o senhor...

E lembro-me de Schiller, e lembro-me de Goethe, e lembro-me de Tranströmer,

E lembro-me das palavras secretas, das palavras não ditas, das palavras nunca

ditas, das palavras pecaminosas, das palavras interditas...

até que acordo, acordo com um sabor de jornal queimado na boca, acordo;

e estendida ao meu lado, tu, Maria Madalena , dormes um sono profundo

um sono tão profundo como a voz do oceano na noite abismal,

e o teu corpo, desnudo, rosado e ungido, Madalena, é uma maçã sumarenta

 

Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de  Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.

Depois de passar três anos  num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo.  Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.

Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.