GERARD CALANDRE

VESTÍGIOS

Trad. Nicolau Saião

VESTÍGIOS - INDEX
VESTÍGIOS

Na Rua do Touro, ao pé das escadinhas

que antecedem a grande descida da praça do Tribunal

entrei por uns minutos no livreiro-antiquário

Às vezes vejo-me ali como que em séculos passados

Palaciano se calhar aproximo-me com a boca aberta

Restos de sono vontade louca de ler comichão

E diz-me o proprietário nos seus tempos um belo compincha

E ao dizer-me, não vou repeti-lo, mostra-me uma folha de papel

não de árvore verbena teixo das Índias eucalipto

Era um manuscrito de Manzonni

Só deus sabe como lhe teria ido parar às mãos

A letra muito firme as ideias límpidas um ar de quem

lavava as mãos simpaticamente depois de obrar

Tudo se conjuga

Tudo se irmana mesmo em casos particulares

linhas interseccionando-se quebradas abatidas

de rostos de passos que se perderam de motivos

Uma escrita articulada entre si e rigorosa

obedecendo bem a leis exactas e ao eventual aparo

 

Pouco depois no Café olho algumas folhas onde tracei

afirmações, ou dúvidas, ou restos de música retórica piolhenta

perdão um solfejo de palavras que afinal me dizem muito

letra mal acabada que pena um pouco rasca

emendas riscos agudos e graves e o papel amarfanhado

 

Por vezes seremos obrigados a escrever dissonâncias

mas faz favor não tenho o jeito dos séculos

o amplexo mesmo a lisura e isso me custa

Neste debate gramatical a que eu mesmo presido.

Gérard Calandre nasceu em 1952, na Bretanha, França. Viveu na Itália, leccionando na cidade de Messina. De formação científica, tem-se mantido afastado do mundo das Letras. Autor do livro Vestígios, traduzido por Nicolau Saião e de textos esparsos sobre o seu ramo profissional. Visitou Portugal em 1992 e 1997. Após o falecimento de sua mulher foi viver para o Canadá francófono.

Tem colaboração nas revistas “Diversos” – dir. José Carlos Marques, “Bicicleta” – orientada por Manuel Almeida e Sousa, “Agulha”(Brasil) – dir. Cláudio Willer & Floriano Martins, etc..

NS