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Miss Pimb
O PSICÓMETRO*
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Hoje a minha professora de Português deu-me esse texto de Júlio Henriques aí abaixo para comentar, tenho de fazer o trabalho e estou muito enrascada, porque isto não é nenhum conto nem nenhum poema, e eu até lhe disse, sotôra, quem sabe do tempo é o meu pai, que ouve sempre o boletim meteorológico antes de ir à pesca, eu só sei que preciso de levar guarda-chuva para o colégio quando está a chover e cachecol quando está muito frio e mais nada. E ela erisipelou-se toda, porque é preciso saber ler qualquer texto, não é só os versos de Fernando Pessoa e "Os Maias" de Eça de Queirós, e que o Português tem muitos registos e aplicações desviantes e pronto, que olhasse para os acentos que ele põe nas palavras, e eu olhei, está tudo com pirâmides do Egipto à cabeça, até o porêm e o por aí alêm, parecem os montes de sal de Rio Maior de Augusto Nobre, pronto, deu-lhe para ali, tem de ser o Júlio Henriques, e eu sabia lá quem era o Júlio Henriques?! Menina, faça pesquisa, se escrever alguma coisa que não tenha saído da sua cabeça, diga de onde copiou, e copie tal e qual, nada de me adulterar as citações, e ponha as citações entre aspas, e nem pliz nem s.f.f., que a sotôra Malvácea é assim, tão mandona que eu até tenho medo dela. E eu fiz pesquisa, esse Júlio Henriques é uma pessoa muito importante, professor da Universidade de Coimbra, director do Jardim Botânico de Coimbra, fundador da Sociedade Broteriana e do Boletim da Sociedade Broteriana, onde publicou uma carrada de artigos sobre plantas, porque é um botânico muito famoso, muito dado à agricultura e à selecção artificial, fartava-se de mandar plantas e sementes para introduzir em São Tomé, e por isso uma vez convidaram-no para ir ver a São Tomé como ia a aclimatação das plantas exóticas que ele para lá tinha mandado, e ele foi, foi em 1903, andou pelas roças todas, mesmo a de Ubá-Budó, que era uma estação aclimatadora muito selecta, e até subiu ao Pico de São Tomé, e escreveu um artigo tão grande que é um livro, está nesse tal Boletim, no volume 27, não percebo é porque é que demorou tanto tempo a ser publicado, se não precisava de editor nem nada, e só saiu em 1917, não pode ter sido por causa da República que se meteu pelo meio, pois essa aconteceu em 1910, mas nunca se sabe. E também fiz pesquisa sobre a meteorologia, até fiquei a saber que o Serviço Meteorológico Nacional foi criado pelo decreto nº 35.836 de 29.08.1946 e que a mais célebre lei da meteorologia é a de Buys Ballot: "No hemisfério Norte, se voltarmos as costas ao vento, o centro de baixas pressões está à nossa esquerda", nunca mais na minha vida me esquecerei das aspas nem de voltar as costas ao vento antes de falar com a sotôra Malvácea, para saber de que lado está a sua depressão. Eu sempre ouvi dizer que as coisas se medem com instrumentos cujo nome acaba ou começa em metro, o mais fácil é a fita métrica, que a minha mãe usa para coser à máquina os cortinados e assim, e depois há o termómetro, e Júlio Henriques diz que em São Tomé é preciso ter dois termómetros, um para medir as temperaturas mínimas, e outro para medir as máximas, e o pluviómetro serve para medir a quantidade de chuva que cai noutra coisa que é medida e também se mede, o centímetro quadrado, não há nada que não se possa medir, resta saber se a medida serve para alguma coisa, olha só, vou medir o meu riso com um risómetro, e quanto maior é a precisão da medida, assim mais comprovativa é a risada, mesmo quando se diz aproximadamente, porque dizer aproximadamente é a medida das medidas, sinal de honestidade intelectual, por isso vou rir durante aproximadamente 33,3 linhas de texto, e se a sotôra Malvácea não me dá ao menos 9,99 de nota, lá terei de arranjar um lacrimómetro. Eu sempre ouvi dizer que a métrica dos sonetos de Bocage também é uma medida, e havia a medida velha e a medida nova das cantigas de antigamente, umas que tinham o pé quebrado e outras que já tinham tirado o gesso, sem falar do metropolitano, que também se mede em número de carruagens e velocidade em quilómetros à hora, eu imagino que haja instrumentos chamados palmómetros para medir os palmos, pediómetros para medir os pés, polegómetros para medir as polegadas, librómetros para medir as libras, e alqueirómetros para medir os alqueires, mas nunca ouvi dizer que houvesse instrumentos para medir os psichés, nem penicómetros para medir os penicos que às vezes guardamos dentro dos psichés, e mesmo que houvesse psichómetros para medir os psichés, por que carga de água haviam eles de ser usados em São Tomé para fazer estudos de meteorologia?! Não me apetece comentar o texto, ainda por cima Júlio Henriques era um botânico, por isso fartou-se de plantar êrros de hôrtografia, mas também não posso fingir que não vi o psicómetro, era logo sobre ele que a sotôra Malvácea me ia fazer perguntas, já sei, ah, já sei, eureka!, descobri: em São Tomé o clima é terrível, punha o astral dos senhores do cacau na sola do sapato, por isso era preciso importar psicómetros da casa Nigredo e Albedo, em Londres, para lhes limpar o sarampo causado pelas depressões do nevoeiro.

 
Nota da professora: o psicómetro existiu, servia para medir a humidade.
Fevereiro 2004
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