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Foto: Martins Correia
MISS PIMB
Sim, sim, eu vi: lagartos sem patas!

Sim, há cobras que não são cobras, parecem cobras mas são lagartos sem patas. E existem em Britiande, temos muita sorte, porque os lagartos, com pernas ou sem elas, comem insectos, esses escaravelhos, formigas e tal, que destroem as culturas.

Aqui há tempos, em Março, ia eu na quelha a sair de casa e olho para o chão, o que é que eu vejo, o que é que eu vejo?, vejo um animal que parecia uma cobra a andar no chão, em curvas muito devagarosas, e olho e torno a olhar, baixo-me para ele e logo confirmo que aquilo cobra não era, não, então seria um Amphisbaenidae? Um Anguinidae? Um Scincidae?, ai!, valha-me Santa Epistémia, a Amphisbaena cinerea de Vandelli, a que agora chamam Blanus cinereus, não, não era: basta olhar para aquele focinho de parafuso sem olhos (1), e depois não ia aparecer assim sem mais nem menos no caminho, abandonando a sua casa subterrânea. Seria algum Anguis fragilis, o licranço ou cobra-de-vidro? (2) Não, não, não, o animalzinho era um Scincidae (3), os lagartos de pele de seda, por causa das escamas muito pequeninas, mas há várias espécies em Portugal, qual delas seria, qual delas seria?, e estava eu neste dilema a rezar a Santa Epistémia, a ver se me dava uma dica, quando um carro aparece no caminho, e para tanto transeunte a quelha é estreita, ai!, ai!, o carro ia esborrachar o animalzinho, nem pensei duas vezes, agarrei nele e atirei-o para o campo.

Ah, que felicidade, não é? Praticámos a nossa boa acção do dia, Jesus agora tem de nos levar para o céu e maus são aqueles que matam estes animais e nem sabem que isso é crime e podem ter de pagar multa ou mesmo de ir para a cadeia porque quase todas as espécies de rãs, sapos, salamandras, tritões, lagartos, lagartixas e cobras estão protegidas! São espécies ameaçadas em grau maior ou menor, precisamos de as proteger porque são património biológico nacional e mundial. Depende de nós o futuro do Planeta Azul.




Chalcides chalcides striatus

Cobra-de-pernas-tridáctila

Foto em:
http://blog.sekano.org/?p=1015

E só então, Santa Epistémia, me lembrei do principal: não tinha voltado o animal de barriga para cima a ver se tinha pernas ou não, porque, consoante o grau de desenvolvimento dos membros, e o número de dedos neles, assim se sabe com mais certeza que Chalcides temos nas mãos: se o Chalcides bedriagai, se o Chalcides striatus, que já se chamou Chalcides tridactylus, por ter três dedos. E ai, ai, ai, Santa Epistémia, então lembrei-me também daquela gozação do Boulenger, naturalista do British Museum, ao dizer que o quarto dedo desta espécie tridáctila é tão comprido como o terceiro (3).

Pele de um Chalcides striatus, esmagado por um carro na estrada

Foto: Miss Pimb/ Britiande, 7 de Junho de 2007

Porque é que os naturalistas são tão mauzinhos? Se calhar porque fazem asneiras iguais às minhas e então chateiam-se a eles mesmos no que escrevem para o público. Tão burra que sou, Santa Epistémia! Tão burrinha! Então não podia reparar nas pernas do animal? Eu não me lembrava de ter visto patas nenhumas, só me lembrava de ter pensado que aquilo não era uma cobra, sim um lagarto, e isso só se pensa quando se vê uma cobra com patas que ao mesmo tempo é um lagarto sem elas. E não escrevi nada por causa de tanta incerteza, apesar de ter mandado e-mail ao herpetologista E.G. Crespo (4), a contar, e de ele ter respondido sim, só podia ser o Chalcides striatus, que as tem muito rudimentares, muito pequeninas! Era o mais provável, e que era douradinho por cima, e era, na foto em cima a cor está pouco parecida.

O animal estava a atravessar o caminho porque devia ser um juvenil, não tinha mais de 15 centímetros de comprimento, e então andava a ver se conquistava um território para ele, porque os animais partilham a Terra como os homens, se estivessem todos encavalitados no mesmo pedaço, a comida não chegava para todos. E hoje vi outra coisa e tirei uma foto, na altura pensei: ora aí está de novo o Chalcides striatus, peguei na pele esborrachada no meio da estrada e pu-la em cima de uma pedra, para fotografar melhor, e agora, Santa Epistémia me valha, sou tão brutinha, agora bem posso dizer, para aterrorizar os leitores, que o sexto dedo desta espécie tridáctila é tão curto como a terceira vértebra lombar da bicha-solitária, porque eu pensei que aquela pele transparente era uma muda, mas a coisa estava esborrachada na estrada, e então como é possível? - O Chalcides striatus conseguiu deixar ali a pele e fugir do automóvel, da mesma maneira que larga a cauda quando algum predador o agarra? Ou não estava esborrachado e apenas foi fazer a muda, como um parolo, no meio da estrada?

Brutinha que eu sou, Santa Epistémia! Eu devia andar sempre com o meu caderno de campo e escrever nele com todo o pormenor aquilo que os olhos viram e a máquina fotográfica não apanhou: a fotografia saiu uma caca, e no local da foto, com a pele na mão, tornei a esquecer-me de verificar se havia ou não sinal de patas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Gaitinha, quem, pela foto, decide que espécie estava representada dentro da pele? Sou teimosa, aquilo só pode ser a pele de um Chalcides striatus, por muito que tenha feito a muda debaixo de um carro, e conseguido fugir dele ao mesmo tempo a quatro patas!

 
Notas

(1) http://www.triplov.com/herpetologia/portugal/sauria/amphisbaenidae.htm

(2) http://www.triplov.com/herpetologia/portugal/sauria/anguinidae.htm

(3) http://www.triplov.com/herpetologia/portugal/sauria/scincidae.htm

(4) http://triplov.com/crespo/index.html

ERRATA

Boa tarde,

Este mail é dirigido à Miss Pimb e pretende alerta-la para alguns erros de identificação de herpetofauna. Em primeiro lugar os animais fotografados e filmado na secção As Rana iberica juvenis são na realidade Alytes obstetricans (aliás com o típico V invertido no dorso e tudo).

Na secção Sim, sim, eu vi: lagartos sem patas! o bicho que aparece na fotografia trata-se de um Anguis fragilis atropelado e nunca poderia tratar-se de uma muda de Chalcides striatus uma vez que este (como bem referiu) não são cobras e consequentemente não largam a pele de uma vez só mas sim aos bocados para além de que não se assemelha em nada a uma muda.

Parece-me que tem amor e dedicação por estes bichos (que são objecto de trabalho para mim há já 8 anos) e espero que não desanime com os meus comentários...

Cumprimentos,
Raquel Ribeiro


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Raquel Ribeiro
Departament de Biologia Animal (Vertebrats) - Universitat de Barcelona
CIBIO - Universidade do Porto
(00351 252 660 411)