PAULO MENDES PINTO
A URGÊNCIA DO ESTUDO CIENTÍFICO DAS RELIGIÕES
(a resposta da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias)

Decorrido que é o ano de 2001, e bem que estamos já em pleno 2002, falar de «retorno do sagrado» é mais que legítimo; é uma necessidade avassaladora do nosso tempo. Muitas das estacas da nossa normalidade foram sacudidas e arrancadas por fenómenos directa ou indirectamente relacionáveis com a Religião.

Vimos e vivemos acontecimentos que nunca julgámos possíveis. Fomos levados a equacionar aquilo que nos parecia impensável. Obrigámo-nos a olhar para todo um campo que nos estava a ultrapassar.

Vimos o vazio dos Budas afegãos. Nada se pôde fazer. Vimos esse Afeganistão tornar-se imenso e entrar pelo Ocidente dentro. Não só ruíram as torres do Worl Trade Center, ruiu muito mais. Mas mais que ruir, muito se construiu a nível dos medos do dia-a-dia: tornou-se a ter a Religião no campo dos assuntos do quotidiano.

A Religião nunca lá deixou de estar. Nós é que nos habituámos a vê-la como um aspecto cada vez mais periférico do nosso Mundo Ocidental. E, de repente, sem pedir autorização para entrar, aí estava ela com manifestações que facilmente qualificaríamos de «bárbaras».

Mas vimos e vivemos muito mais. Vimos o drama de um grupo de crianças católicas em Belfast ao ser atacada, em Setembro último, quando se dirigia para a escola. Esta situação alertava o civilizado Ocidente para os problemas religiosos dentro das suas portas; problemas quase sempre escamoteados e considerados simplesmente políticos.

Antes, a Europa acordava para o facto de alguns países europeus ainda obrigarem à indicação da religião no Bilhete de Identidade. A nossa colega da Comunidade Europeia, Grécia, mergulhava numa profunda e inconclusiva discussão sobre o eventual fim dessa obrigatoriedade.

Por fim, o actual Dalai Lama, Sua Santidade, é claro, visitava Portugal num clima algo perturbante: o país institucional e político não soube o que lhe fazer. As pessoas, ao contrário, organizaram-se: as conferências multiplicaram-se, os eventos, as homenagens.

O religioso está na moda, está na berra, ou melhor, está no centro da nossa vida – como participantes religiosos ou simplesmente como participantes na tal vida, no mundo que já não pode esquecer-se de que a Religião está aí.

A predisposição para a compreensão dos fenómenos religiosos tomou, finalmente, posição vincada na nossa escala de prioridades. Por medo, por participação, ou por conhecimento, a religião entrou no tal dia-a-dia.

Finalmente, alguns países europeus seguem as passadas já antes lançadas pelo Canadá: o Ministério da Educação francês acaba de decretar o ensino das religiões nas escolas. Assumindo o papel laico do Estado, e não um papel menosprezador do fenómeno religioso, Jack Lang anunciou a criação de uma disciplina obrigatória, no Ensino Secundário, sobre as Religiões.

Porquê? Simplesmente porque o conhecimento fomenta a tolerância e a visão igualitária face ao outro. Ou ainda, porque os indivíduos, tendo deixado de ser crentes, deixaram de ter uma cultura base sobre as Religiões.

Não havendo, nem tendo lugar, uma formação religiosa homogénea e hegemónica, é a própria sociedade na sua pluralidade que se deixou de encontrar nas noções de Religião. A laicidade do Estado implica a formação para essa heterogeneidade, essa multiculturalidade cada vez mais acentuada à medida que também as origens dos cidadãos, dos habitantes, é mais vasta. Os massivos fenómenos migratórios levam a sociedade ao confronto com a sua própria ignorância e incapacidade.

Qualquer sociedade pretende ter os seus cidadãos perfeitamente capazes de tomar consciência cívica – seja ela também religiosa ou não.

Como ter uma consciência crítica e construtiva face aos fenómenos religioso que nos avassalam o dia-a-dia se os indivíduos nada sabem da génese, desenvolvimento e implantação dessas religiões?

Que sabemos nós sobre o Islão, sobre o Judaísmo, sobre o Protestantismo, sobre o Induísmo?

Que quantidade de verdades feitas julgamos serem verdadeiras nos juízos de valor que fazemos quando nos questionamos sobre o próprio cristianismo católico em que nascemos em que a maior parte de nós foi baptizado?

Qualquer sociedade pretende formar os seus membros e dar-lhes as ferramentas mínimas para a execução do seu direito e dever de cidadania. Neste momento de globalização, até religiosa, uma dessas ferramentas essenciais é o estudo das Religiões.

Onde se pode encontrar o ecumenismo de que tanto se falou e escreveu nos últimos anos? Onde está ele? Neste momento só se fala de fundamentalismo. Não é exactamente o oposto?

Talvez a rotação essencial a fazer resida na valorização cívica do conhecimento e da compreensão dos factores de identidade das comunidades religiosas. Com credo ou sem credo, uma cultura baseada no conhecimento cimenta a noção de “si”, bem como a possibilidade de dar um lugar ao “outro”.

Urge fazer uma séria reflexão e iniciar, de uma vez, o estudo das Religiões em Portugal. Nada da realidade social, dos acontecimentos históricos e das produções culturais se pode entender sem o quadro religioso envolvente.

Em Portugal, o caminho está quase todo por fazer. Na Universidade Lusófona, desde 1998 que está em marcha o pioneiro projecto que reúne a Licenciatura em Ciência das Religiões e o Centro de Estudos em Ciência das Religiões. Trata-se de uma conquista universitária que é um acontecimento e uma oportunidade única no nosso país.

Queira-se, ou não, a religião está aí a mostrar a sua omnipresença, a sua força e a sua capacidade de tornar obsoletas todas e quaisquer práticas da sociedade moderna. Estudar o fenómeno religioso é uma urgência do presente e um dever para com o futuro.

Pela Universidade Lusófona, desenvolveremos todos os esforços para que em Portugal venha a ter lugar o estudo consistente dos fenómenos religiosos, bem como o ensino deste campo tão importante para a construção de uma consciência cívica construtiva e consciente.


Paulo Mendes Pinto. (Secretário da Direcção da Licenciatura em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona)