HOMENAGEM A ERNESTO DE SOUSA
REVISTA TRIPLOV

de Artes, Religiões e Ciências
nova Série . número 66 . agosto-setembro . 2017 . ÍNDICE

 



Júlio Conrado  (Olhão, 26.11.1936, Portugal) .
Escritor, crítico literário. Durante vários anos alternou a crítica literária com a ficção (incursões esporádicas na poesia e no teatro), centrando-se actualmente no romance a sua principal actividade. Fez crítica no Diário Popular, Vida Mundial, Colóquio Letras e Jornal de Letras. Colaborador de Latitudes, Cahiers Lusophones (Paris) e Revista Página da Educação (Porto). Coordenou a revista Boca do Inferno, de Cascais. Integrou os corpos sociais de Associação Portuguesa de Escritores, Pen Clube Português, Centro Português da Associação Internacional dos Críticos Literários e Associação Portuguesa dos Críticos Literários. Participou nos júris dos principais prémios literários portugueses.
Foto: Valter Vinagre
Textos seus estão traduzidos em francês, alemão, inglês, húngaro e grego. Obras principais: Romance: Barbershop (2010), Estação Ardente (Prémio Vergílio Ferreira / Gouveia (2006), Desaparecido no Salon du Livre (2001), De Mãos no Fogo (2001), As Pessoas de minha casa (1985), Era a Revolução (1977) e O Deserto Habitado (1974); Poesia: Desde o Mar (2005); Teatro: O Corno de Oiro (2009). Ver currículo alargado no site do Pen Clube Português

JÚLIO CONRADO

3ª Ed. de AS PESSOAS DE MINHA CASA

 

Apresentação do livro no 3º Encontro TriploV na Quinta do Frade. Mosteiro das Monjas Dominicanas, Lisboa, 17 de junho de 2017.

A dificuldade em apresentar um livro de minha autoria quando pouco tenho a dizer sobre ele obrigou-me a improvisar uma solução para esta sessão que passasse por aproveitar as palavras introdutórias do próprio volume.    

Esta terceira edição trinta e dois anos depois da publicação do romance pelo Círculo de Leitores, na sequência de uma recomendação do júri do respectivo Prémio, obedeceu a um trabalho de remodelação, idêntico aos já realizados com dois outros dos meus romances, cujo objectivo se centrou na necessidade de reequacionar algumas das linhas de força à luz do que sobre ele foi dito e escrito, e também da minha própria releitura crítica, sobretudo de maneira a clarificar certos aspectos indutores de moderada confusão. Um deles é a de que este livro é um produto autobiográfico.

A generalização do conceito, em que a nuvem é tomada por Juno, obriga-me a mais uma vez separar as águas daquilo que é biográfico do que não é.  

Já tive ocasião oportunidade de explicar que a estrutura de As Pessoas de Minha Casa é híbrida, isto é, a acção desenvolve-se a partir de uma personagem que em muitos momentos espelha a minha vivência juvenil, designadamente a escolar, sobrepondo-lhe uma outra figura, a mesma personagem em versão adulta, rigorosamente inventada, tendo como pano de fundo a vida quotidiana na cidade de Lisboa num período que vai do Verão quente de setenta e cinco aos primeiros anos oitenta do século passado. Nesta medida personagens como o Aurélio Romeira adulto, a mulher Clara, o amigo Dimas, o africanista matador, a comunista Judite, os membros da família Ornelas (ela própria sem correspondência na vida real) Vânia, Alfredo, o motorista Rogério, Eva, Leonel, o superintendente inglês do Telégrafo Marítimo, só são “pessoas de minha casa” porque foram criadas por mim  sem a ajuda de qualquer “equivalente” na vida real. Outra coisa é percurso juvenil/adolescente do protagonista, eu, o Aurélio Romeira rapaz em que evidentemente me revejo, porque foi por mim elaborado com base na minha experiência de vida. Espero que esta “explicação” seja suficiente para acabar de vez com a generalização de que tudo é autobiográfico. Salvo a reconstituição das atmosferas e linguagens de época, mais as excepções apontadas, é a ficção/invenção que chefia a trama.  

A Vila das Quintas do livro é a Carcavelos dos anos quarenta, cinquenta, a terra das minhas infância e adolescência. Mantive a designação Vila das Quintas para cobrir justamente a parte da intriga ficcionada que, nada tendo a ver com a realidade, poderia gerar insinuações de veracidade inadequadas. Mesmo a história do motim do chafariz, baseada no relato de alguém que tocou o sino a rebate e depois se sumiu, peca por falta de concordância, em certos pontos, com o que se terá passado, mas decidi mantê-la por se tratar de um registo fictivo e, nessa medida, conter uma parte de lenda popular que me pareceu mais conforme à dinâmica romanesca. Deixo a pista aos historiadores locais para que apurem e interpretem os incidentes omissos (ou distorcidos) na narrativa de maneira a que não passe por autêntico o que apenas serviu uma estratégia literária determinada.

Também optei por tornar mais fluido o exercício da leitura desmantelando um dispositivo sintáctico que nada adiantava à partilha dos conteúdos, arrumando a escrita segundo o modelo clássico, operação em que foram abolidos os poemas, já encaixados em volumes condizentes com a sua natureza – ou até diluídos no actual texto em prosa.

Posto o que precede, desligo a corrente, deixando a obra à mercê dos leitores, na esperança de que consigam perdoar-me as heresias formais cometidas num romance saudado por alguns, em tempos idos, pela sua “frescura”. 

 A PROPÓSITO DE PALAVRAS SOMADAS E SUPRIMIDAS 

Esta versão do livro, já depois de preparada para entrega ao Editor, foi perturbada por um incidente insólito alheio à vontade e à responsabilidade do Autor. Entre os livros da sua extensa biblioteca confiados, para leilão, a um importante alfarrabista do Norte do país, foi acoplado pelo próprio alfarrabista, supõe-se, um caderno cujas páginas preenchidas à mão, sob o título de Memórias eróticas no tempo dos Amores Difíceis, e com a assinatura de Serafim João, despertou a curiosidade do arrematador, uma vez que só por esse motivo foi obrigado a cobrir um lance francamente desproporcionado para ficar com o que não podia ser negociado fora do conjunto de livros em licitação, por estratégia do leiloeiro. Outros licitadores potenciais, intrigados com a teimosia, acabaram por alinhar numa renhida peleja pela biblioteca e caderno mas por fim desistiram ao aperceberem-se de que o primitivo interessado não arredaria pé sem levar consigo o cobiçado conjunto, valorizado pelo enigmático extra, pagando o que tivesse de pagar.

Chegara-se a uma vertigem de preço graças a um daqueles fenómenos circunstanciais em que a especulação é fértil.

O A., que nunca ganhara com o que escrevia dinheiro que se visse, embolsou uma maquia sumptuosa.

O leiloeiro alertara tratar-se de um documento raro, autobiográfico, cujo pseudónimo tudo indicava ser o disfarce onomástico de Aurélio Romeira, uma individualidade da vida ficcionada que se sentiu (mal) retratada pelo Autor do romance As Pessoas de Minha Casa, do qual é protagonista, e que no caderno se insurge contra a omissão de uma quantidade substancial de informações nas primeiras edições que acabara por deformar o alcance da sua participação na intriga. Informações que por aquele meio deixava ao mundo caso um dia porventura alguém viesse a manifestar curiosidade por esclarecimentos adicionais, a seu ver relevantes.

O arrematador, depois de ter posto um grupo de investigadores na peugada de Aurélio Romeira, que lhe confirmou a verosimilhança dos novos dados e porque sabia estar prestes a vir para a rua a 3ª edição do romance, contactou o A. para que aceitasse acrescentar na nova edição uma soma de palavras que desse guarida a parte das objecções ventiladas no caderno em substituição de outras de menor valia e acuidade.

O A. escusou-se a assumir por inteiro a descoberta, alegando de nada ter tido conhecimento quando das primitivas edições que lhe permitisse enriquecer a personagem, cedendo, no entanto, na introdução das tais passagens mas em tipo de letra mais pequeno e com menção explícita da sua origem. Isto porque o arrematador fora realmente um mãos largas.

E daí lavava ele as suas…

Esta a pequena história das palavras somadas à 3ª edição de As Pessoas de Minha Casa, na qual só quem quiser acreditará.   

Quanto às suprimidas: a justificação é dada mais atrás.           

As Pessoas de minha casa em 3ª edição foi apresentado no 3º Encontro do TRIPLOV em 17 de Junho de 2017
 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
EDITOR | TRIPLOV  
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
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