Revista TriploV . ns . nº 64. abril-maio . 2017 .
Homenagem do Triplov aos Capitães de Abril

 

AÍLA SAMPAIO

Causos: a caleidoscópica lente do humor

 

 

Aíla Maria Leite Sampaio (Brasil). Professora da
Universidade de Fortaleza-UNIFOR.

Doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Ceará - UFC

Totonho Laprovítera é, sem dúvida, um herdeiro de Sherazade. Se dependesse dele, a vida se desdobraria em mil e uma noites, fazendo histórias pelos bares, pelas estradas, calçadas, ruas e até escritórios de advocacia. Sim, fazendo histórias, porque, antes de escrevê-las, ele as vive. A partir de situações triviais, que enxerga por sua caleidoscópica lente do humor, ele cria quadros, lançando tintas multicores aos cenários e aos personagens. 

Essa postura brejeira do nosso arquiteto-pintor-compositor já tem marca registrada entre os amigos, sua maior fonte de inspiração. Valtinho, por exemplo, já foi eternizado nas páginas de Valder Césio, histórias de um boêmio, publicado em 1995. Volta, agora, em novas peripécias etílicas, ao lado do Bruno, do Chiquinho, do Gera, do Gaubi, do Wiron, do Ricardo, entre tantos outros nomes que fazem (ou fizeram) parte da boemia cearense.

O riso é a leitmotiv do livro. Não o riso sarcástico, que debocha e reduz ao ridículo, mas o riso sadio, benfazejo, por vezes irônico, por vezes zombeteiro, mas são. Seguindo o princípio aristotélico de que “o homem é o único animal que ri”, ele elege seus pares e com eles monta todos os enredos, a partir da mais divina comédia humana: a vida real.

E, como dizem que quem conta um conto aumenta um ponto, Totonho viaja na sua capacidade de (re)inventar a realidade, mexer com as palavras,  fazer trocadilhos jocosos, num exercício de percepção fantástico. Conta o que vê, o que escuta, o que observa, o que vive, sem cerimônia, sem sóbrios pudores com as palavras. Aliás, esse é um dos pontos altos do livro: o discurso flui espontâneo, em linguagem coloquial e popular, com registros de variantes regionalistas, o que torna verossímil seus enredos e mais engraçadas as piadas, as tiradas cômicas extraídas de acontecimentos comuns.

Além das histórias de humor, há recortes de momentos de realização pessoal e referências a pessoas que marcaram a vida do autor, em textos memorialistas que encantam pela emoção. Divide-se, assim, a estrutura da obra em dois blocos: o verde, com narrativas engraçadas de conversas de bar, de rua, viagens e papos entre amigos; são contos, minicontos e piadas sem a acidez do escárnio. Na segunda parte, representada pela cor azul, que simboliza a sensibilidade, constam os registros de momentos mais ‘sóbrios’, declarações de afeto e alguns versos pertinentes aos relatos.

Mas é o bom humor a tônica geral, bem como a descontração, a espontaneidade e a consciência de que o riso é coisa séria, muito séria para quem vive de bem com a vida. Bergson disse que “não há comicidade fora daquilo que é propriamente humano”. De fato, a matéria primordial dos relatos são as pessoas; são elas que fazem surgir em Totonho a verve de comediante tão prodigiosa em nosso estado, haja vista os tantos nomes surgidos desde Quintino Cunha. Blindados pela alegria, seus personagens saem dos mais diferentes lugares para desbravar o mundo da imaginação. Há sempre um motivo para comemorar a vida, por isso, a cerveja, o rum, a cachaça e/ou o uísque são imprescindíveis. Regam a criação. O prazer de conviver é o que conta, e tudo se transforma em motivo para um brinde.

Sem ilustrações, as histórias projetam imagens por meio das palavras, dando ao leitor a oportunidade de também viver as cenas, simular os movimentos, sentir os cheiros. A fidelidade do autor ao seu próprio repertório é de tal forma evidente que, ao lermos, temos a sensação de reconhecer a própria voz dele falando, o que torna muito familiares todos os acontecimentos contados, portanto, a partir de então, ficcionais. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas não será mera coincidência, mas o pincel, ops, o teclado do criador, deu-lhes novos contornos. Todos aqui são reais fora dessas páginas; aqui dentro, porém, são apenas seres de papel.

Além do riso e do registro de emoções, o livro sedimenta, no imaginário do leitor, cenários atuais, como o Cantinho do Frango, e resgata a memória da cidade ao evocar cenas passadas no Restaurante Gabriella, no Colégio São João, na Cobal ou mesmo num Ford Galaxie Landau. De João Pessoa ao Rio de Janeiro, passando por Viçosa, Sobral, Várzea Alegre e Camocim; do Mondubim ao Alto do Bode, o espaço se alarga para dar passagem à caravana da alegria. Nada oficial. Nada oficioso. É a vida se desenhando em verde e azul, em todas as matizes e nuanças que a alegria possa traçar no coração de quem sabe que rir é, ainda, a melhor saída em todas as situações.

 
 
 
ESTAMOS NO FACEBOOK:
https://www.facebook.com/groups/triplov
EDITOR | TRIPLOV
Contacto: revista@triplov.com
ISSN 2182-147X
Dir.
Maria Estela Guedes
PORTUGAL
 
 
Página Principal
Índice por Autores
Série Anterior
 
www.triplov.com
Apenas Livros Editora
Revista InComunidade
Canal TriploV no YouTube
António Telmo-Vida e Obra
Agulha
Revista de Cultura
Triplov Blog

ESTAMOS NO FACEBOOK:
https://www.facebook.com/groups/triplov