Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências . ns . nº 60. setembro-outubro 2016 .
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Alessandro Zir (Brasil). PPGICH/UFSC, GIFHC-ILEA/UFRGS.
azir@dal.ca . http://www.aletche.blogspot.com.br/2012/07/blog-post.html

ALESSANDRO ZIR

O Galho mais Alto de um Pau Gigante

 

Em tempos de Olimpiadas-Abertura-Nota-1000, vou lembrar um velho herói nacional. Mas nem herói e nem nacional. Para aquele que o criou — Mário de Andrade — “nem se pode falar que Macunaíma é do Brasil. É tão ou mais venezuelano como da gente e desconhece a estupidez dos limites...” Sua falta de caráter é hiperbólica: não apenas não tem caráter moral, mas não tem caráter enquanto tal (é “sem característico”).

Se pensa no Brasil como país tropical, alegre e otimista. Para Mário, era o pessimismo do seu herói que lhe permitia ser “amigo sincero” dos seus patrícios: “Heroísmo de arroubo é fácil de ter. Porém o galho mais alto dum pau gigante que eu saiba não é lugar propício pra gente dormir sossegado.” Oitenta anos depois, país das Olimpiadas-Abertura-Nota-1000 (mas nem por isso 1º lugar na classificação de medalhas), o Brasil é reconhecido também como país dos Brazilionaires (Alex Cuadros). Entre eles, Eike Batista, os Marinhos do Império Plim Plim e Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. Bom ou ruim? Emblemático no que diz respeito a explicar processos de acumulação de riqueza e desigualdade.

O contexto não é o do ressurgimento dos governos de direita na América Latina, ele próprio uma ressaca da esquerda (que no Brasil esteve firme no poder por mais de 12 anos). Dois eixos ajudam a pensar a situação para além da suposta dicotomia: ajuste fiscal e funcionamento das instituições democráticas. Num artigo recente, o colunista da Folha de São Paulo doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, Celso Rocha de Barros, sugere que o Partido dos Trabalhadores teria tido dificuldade em reconhecer especificidades da economia por “ter sido fundado em um momento em que se fazia a crítica do marxismo soviético”.

Salvo que essa crítica (tal como se encontra, por exemplo, em obras de autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida) deveria, pelo contrário, ter feito redobrar a atenção com relação à fragilidade das instituições democráticas e aos perigos intrínsecos à economia de mercado e políticas de maximização. A lição de casa foi mal feita (da academia aos ministérios, passando pela coluna dos jornais), e o país seguiu em boa medida na direção oposta. Tiraram-se milhões da extrema pobreza, mas através de estratégia desenvolvimentista amarrada a commodities do agronegócio e impulsionada pelo favorecimento de oligarquias.

Página virada (sic), reconhece-se a importância do ajuste fiscal (sem o qual o que acaba mais enfraquecido é o próprio Estado), mas segue-se ignorando problemas relativos à tributação e à necessidade de uma auditoria da dívida pública. A direita tradicional se diz liberal, mas é ainda mais dogmática no que diz respeito ao entendimento do funcionamento da economia, e cega diante da fragilidade da democracia. Vai reduzir recursos na educação e manter tal como estão os privilégios da casta política e do judiciário, ao mesmo tempo em que é incapaz de dar provas minimamente convincentes de que o combate à corrupção ocorre de forma imparcial (atingindo outros partidos que não somente o PT). Os meios de comunicação oficiais são no geral coniventes. Os não oficiais tendem a se vitimizar.

Se o PT se omitiu e contribuiu pouco para investigação e punição efetiva dos crimes cometidos no período da ditadura militar, o governo Temer agora retoma o Gabinete de Segurança Institucional. Vem às mãos de Sérgio Etchegoyen, que se diz ser general de linha dura do exército com familiares apontados na Comissão Nacional da Verdade por violações aos direitos humanos (matéria “DNA Repressivo” da revista Caros Amigos n. 231). Pode ser que não passe de comportamento pavônico. Voltando ao prefácio do Macunaíma, ainda vive-se num país em que “o praceano considera a Providência como sendo brasileira e o homem da terra pita o conceito de pachorra mais que fumo”.

Lugar propício pra se dormir sossegado?

 
 
 
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