Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências . ns . #57. março-abril 2016 . índice



 Joaquim Simões (Portugal).
Cronista, poeta, dramaturgo.


JOAQUIM SIMÕES


Acerca da paternidade e família de Cristo

 

Eu já não ando por aqui há algum tempo. 

E, confesso-o, cada vez menos me apetece fazê-lo, tão sufocante é a pobreza intelectual e de espírito que vem assassinando o país, tanto no que respeita aos temas "fracturantes" como às medidas e decisões que são tomadas em quase todas as vertentes da vida pública. 

É que intervir em tal chiqueiro é pôr-se ao mesmo nível dos que o alimentam. 

Digo-o com o mesmo desgosto com que Vergílio Ferreira dizia que "Portugal é um país de analfabetos, alguns dos quais sabem ler". 

Mas o que me chega aos ouvidos desde ontem é de tal modo abjecto pelo primarismo do ridículo, que não consegui suster o impulso de vir dizer apenas isto: 

Qualquer, repito, QUALQUER, pessoa, repito, PESSOA, que saiba ler ou, pelo menos, sem deficiências auditivas graves desde criança sabe que Cristo não teve dois pais, mas sim, segundo o relato bíblico, um pai, um padrasto e uma mãe. 

E isto porque, segundo o que esse relato dá a entender, Cristo seria o resultado de um caso de uma noite mais especial de Maria, liberalmente aceite por José. 

Admitindo, porém, que a coisa fosse mais longe e a situação tivesse continuidade, estaríamos perante um ménage à trois, a inserir no capítulo da família poliparental à la tibetana. 

Mas apenas isso. Porque nem da boca dos próprios nem do cochichar dos vizinhos se concluiu da existência de relação monogenérica entre Deus e José, mesmo que por uma noite apenas, nem Maria abandonou o lar, deixando-os sós. 

Ou seja, de modo nenhum se pode incluir o acontecimento descrito no Evangelho como exemplo de adopção de crianças por casais do género dos formados por pessoas do mesmo género. Como também não se insere no daqueles em que a criança é biologicamente descendente de uma dessas pessoas. 

Mais a sério, agora: 

Que este cartaz seja produto do fracturamento da verdade em prol da iluminação dos povos pelo BE, não me espanta, tendo em atenção a desonestidade intelectual que é seu apanágio. Que esse fracturamento seja feito ao nível do primarismo e imaturidade intelectuais que caracteriza os seus representantes, também não. 

O que neste caso me assombra e, até certo ponto, me aterroriza é o carácter simplório e fascizante da artimanha, porque distorce com o mais descarado e fascizante à-vontade dados elementares da informação cultural e religiosa dos cidadãos, não apenas os deste país como os de toda uma civilização com cerca de dois milénios. 

De outra maneira: o Bloco de Esquerda mente com toda a tranquilidade sobre o que até uma criança seria capaz de refutar. Como se estivesse seguro da completa apatia mental dos cidadãos que pretende endoutrinar – porque de endoutrinar se trata. 

E isto só pode ser sinónimo, para além de perversidade política, de uma enorme pequenez mental, aquela de que o BE necessita para alcançar o poder sem parecer que o visa. O que é o melhor exemplo da metáfora cristã dos cegos que guiam (no caso, que aspiram a guiar) outros cegos. 

Porém, não menos assustadora é a reacção dos responsáveis da Igreja Católica por não menos mentalmente insuficiente. De facto, a única resposta possível a este cartaz, post ou lá o que é, seria a da enorme gargalhada perante o disparate dito por um qualquer puto arrogante a armar ao chico-esperto, relembrando-o da história contada na Bíblia. 

Isto bastaria para repor a criançada do BE no seu lugar e expor-lhe a distorção de carácter perante Portugal inteiro. 

Mas não. A Igreja católica fala de sentimentos ofendidos, falam de sentimentos ofendidos os parlamentares cristãos… Ora só se poderia eventualmente falar de sentimentos ofendidos quando o que foi dito correspondesse a algo que fizesse parte integrante da crença e não quando nada do que foi dito a atinge porque nada existe nela que tenha sido atingido por um conto do vigário intelectual. 

Com a sua atitude, a Igreja valida afinal a fraude perpetrada pelo BE, na medida em que não contesta a falsificação do texto bíblico!  

A estupidez e a má-fé ardilosas do BE têm assim o seu equivalente na estupidez solene e empertigada da Igreja. 

Os fascismos são como os camaleões: mudam de cor à medida do meio. O BE constitui-se no orgulho do filho do caseiro “Manholas”, António de Oliveira Salazar, que também ele inverteu o dito de Cristo aos discípulos “quem não é contra nós, é por nós”, num “quem não é por nós é contra nós”. 

E a Igreja Católica esquece o que o seu Mestre disse: que aqueles que não o reconheceram não serão reconhecidos por Ele no fim dos tempos. 

O que posso dizer mais? 

Perceberam porque ando calado? 

(texto não revisto)

Joaquim Simões, 26 de Fevereiro de 2016

 
 
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